O plano de Brasil e China que pode 'furar' domínio da Starlink de Musk

Os dois países negociam um memorando de entendimento sobre internet via satélite após ápice da crise entre Musk e autoridades no Brasil.

4 nov 2024 - 20h22
Modelo de satélite de órbita baixa durante a 19ª Exposição Internacional da Indústria Automobilística de Xangai
Modelo de satélite de órbita baixa durante a 19ª Exposição Internacional da Indústria Automobilística de Xangai
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Os governos do Brasil e da China preparam um plano que, se implementado, pode ajudar a diminuir a dominância que a empresa Starlink tem sobre o serviço de internet via satélite no Brasil.

A Starlink pertence ao bilionário Elon Musk. O plano prevê o início das operações da empresa chinesa de satélites SpaceSail no Brasil, que pretende operar no mercado brasileiro hoje liderado pela Starklink. A informação foi confirmada à BBC News Brasil pelo secretário de telecomunicações do Ministério das Comunicações, Hermano Barros Tercius.

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A ideia, segundo Tercius, é que Brasil e China assinem memorandos de entendimento sobre o assunto durante a visita do presidente chinês, Xi Jinping, ao país, no dia 20 de novembro.

Ainda não há prazo, no entanto, para que a companhia comece a operar no país. Procurada, a embaixada da China não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem.

A assinatura dos memorandos, se ocorrer, acontecerá pouco mais de dois meses depois do ápice da crise entre Musk e autoridades brasileiras, a qual culminou, em agosto, com a suspensão do X (antigo Twitter) no Brasil.

A SpaceSail é uma empresa privada chinesa sediada em Xangai e atua no mercado de internet banda larga provido por satélites de órbita baixa.

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Atualmente, a companhia conta com 18 satélites, mas seus planos incluem o lançamento de até 15 mil até 2030. A título de comparação, estima-se que a Starlink tenha 6 mil.

Conhecidos como LEO (Low Earth Orbit), estes satélites são menores e formam verdadeiras "constelações" ao redor da Terra. Eles ficam a uma distância de aproximadamente 549 km em relação à superfície terrestre, enquanto os convencionais ficariam a quase 1.000 km.

Por estarem mais próximos, o tempo para a transmissão de dados é menor, o que permite uma internet mais rápida e confiável.

No Brasil, a Starlink de Elon Musk é líder e detém 45,9% do mercado de internet via satélite, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Mas o agravamento das tensões entre Musk e autoridades brasileiras levantou rumores sobre os eventuais impactos da dependência do país em relação à empresa do bilionário.

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Contatos em meio à crise com Musk

No Brasil, a Starlink de Musk já é líder no mercado de internet via satélite
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Os contatos entre a SpaceSail e o Brasil começaram oficialmente em meados de agosto. No dia 20 daquele mês, uma comitiva liderada pelo presidente da empresa, Jie Zheng, reuniu-se com representantes do governo brasileiro, entre eles o vice-presidente, Geraldo Alckmin.

Os planos da empresa, apresentados à época, incluem entrar em operação no Brasil até 2025.

Para isso, no entanto, a empresa precisa de autorizações junto à Anatel para que, entre outras coisas, a companhia possa construir a infraestrutura em solo que permita que o sinal dos seus satélites possam ser acessados no Brasil.

A SpaceSail funcionaria de forma semelhante à Starlink e outros serviços de internet via satélite. O usuário precisaria instalar uma pequena antena para conseguir acessar a internet.

Segundo Hermano Tercius, um dos memorandos de entendimento negociados entre Brasil e China prevê a colaboração técnica necessária para que serviços como o da SpaceSail possam entrar em funcionamento no país.

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"A gente está evoluindo nos textos e nas discussões pra gente ver se a gente assina [o memorando]. Assim, ficaria uma intenção mais concreta de colaboração, que ainda não é um compromisso. [O memorando] É uma intenção de colaborar com o que pode estar faltando para eles [SpaceSail] anteciparem [a entrada em operação]", diz Tercius à BBC News Brasil.

Ele esteve na China em outubro e se reuniu com representantes do governo chinês sobre o assunto.

O secretário afirmou ainda que não está definido se o memorando vai envolver apenas os ministérios de comunicações dos dois países ou se a SpaceSail e a Telebras, estatal brasileira no setor de telecomunicações, também vão participar do documento.

Uma possibilidade é que a Telebras, que já mantém contratos com o governo federal, possa utilizar os serviços da SpaceSail para fornecer internet de banda larga a escolas ou outras instalações de interesse do governo brasileiro.

Tercius disse não saber se a crise envolvendo Elon Musk e o Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram influência nas negociações entre os dois governos. Segundo ele, a busca por novos fornecedores de internet via satélite é uma tentativa do Brasil de evitar a formação de "monopólios" no setor.

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"A gente procura, é lógico, evitar monopólios e ter essa competição para que saibamos quem presta o melhor serviço e quem oferece um custo melhor para que a população tenha mais acessibilidade a este tipo de serviço [...] Independentemente de como vai evoluir a situação da Starlink, a gente espera que haja maior quantidade de prestadores", afirma o secretário.

O secretário disse ainda que o governo brasileiro levou à China a proposta de que parte dos lançamentos dos satélites da constelação da SpaceSail sejam feitos a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão.

"O que a gente tentou foi ver com eles a possibilidade de, além deles prestarem serviço ao Brasil, eles possam usar nossa base lançamento de foguetes para lançar os satélites daqui [...] vai ser bom para eles porque pode agilizar o cronograma de funcionamento deles, e para nós também é bom porque daria um melhor uso à base de Alcântara", diz Tercius.

Segundo ele, outro memorando de entendimento que está sendo negociado com a China é sobre a construção de um satélite geoestacionário para atender o Brasil.

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De acordo com o secretário, ainda não há definição sobre se este novo satélite atenderia apenas às necessidades de comunicação ou se também poderia ser usado nos sistemas de defesa brasileiro.

Tensão e domínio

Funcionária configura um roteador da Starlink para fornecer internet a uma loja de chocolates na Ilha do Combu, em Belém
Foto: Alessandro Falco/Bloomberg via Getty Images / BBC News Brasil

O ápice da crise entre Musk e as autoridades brasileiras aconteceu no dia 30 de agosto, quando o STF decidiu suspender as operações do X (antigo Twitter, que Musk comprou em 2022).

A suspensão do X no Brasil foi determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes após a plataforma fechar seu escritório no Brasil, ficar sem representante legal no país e se recusar a cumprir determinações da Corte relacionadas a inquéritos que investigam milícias digitais.

Musk reagiu às decisões do STF e fez diversas críticas diretas a Moraes. Segundo o bilionário, as decisões seriam um atentado à liberdade de expressão.

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A crise, porém, espirrou em outro negócio de Musk: a rede de satélites de órbita baixa Starlink. O STF chegou a determinar o bloqueio das contas da empresa no Brasil depois que o X deixou de pagar multas aplicadas pela Corte.

Em 8 de outubro, o STF autorizou o retorno do funcionamento do X no Brasil após a empresa, segundo a Corte, atender às exigências feitas pelo tribunal.

A escalada da crise em direção à Starlink, no entanto, levou a rumores de que a empresa poderia ter seu funcionamento suspenso no Brasil, a exemplo do que aconteceu com o X. E isso deixou setores da economia e até militares preocupados.

A Starlink é um braço da SpaceX, a companhia de exploração espacial de Elon Musk.

A empresa fornece serviços de internet por meio de uma enorme rede de satélites. No Brasil, ela é frequentemente utilizada por pessoas e instituições que vivem em áreas remotas, onde não há infraestrutura local como cabos e postes — caso de boa parte da Amazônia.

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Especialistas no assunto afirmam que a empresa tem hoje a maior constelação de satélites operando no mundo e que é capaz de atender a pelo menos 37 países.

No Brasil, a ascensão da empresa no mercado foi meteórica.

Em janeiro de 2023, segundo a Anatel, a Starlink era a quinta principal provedora do mercado e responsável por 4,7% do mercado de internet via satélite.

Um ano e meio depois, em julho deste ano, a empresa já havia assumido a liderança com 45,9% de participação no mercado.

Atualmente, além de fornecer internet de banda larga para pessoas físicas em áreas isoladas, ela também fornece conexão para embarcações da Marinha, instalações militares do Exército e para plataformas e navios da Petrobras.

Apesar de Hermano Tercius dizer que não sabe se a crise entre Musk e as autoridades brasileiras influenciaram na decisão do governo de buscar novos fornecedores de internet via satélite, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o bilionário não é visto com bons olhos.

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Ao longo das eleições presidenciais de 2022, Musk declarou apoio ao então presidente Jair Bolsonaro (PL). Em meio à crise com o STF, ele acusou o ministro Alexandre de Moraes de ter interferido no resultado das eleições vencidas por Lula.

Em agosto, Lula disse que Musk precisava respeitar as leis brasileiras e que o Brasil não poderia ter "complexo de vira-latas".

"Ele tem que respeitar a decisão da Suprema Corte Brasileira. Se quiser bem, se não quiser, paciência. Se não for assim, esse país nunca será soberano, esse país não é um país que tem uma sociedade com complexo de vira-lata. Porque o cara americano gritou e a gente fica com medo. Não! Esse cara tem que aceitar as regras desse país", disse Lula em entrevista à Rádio MaisPB, da Paraíba.

Para o diretor de tecnologia da empresa Sage Networks, Thiago Ayub, a liderança da Starlink se deve à qualidade do serviço oferecido em comparação com seus atuais competidores.

"Essa dominância da Starlink se revela nos indicadores que observamos esse ano, como a de 90% das cidades da Amazônia contendo clientes do serviço ou da preocupação revelada pelas Forças Armadas do Brasil diante de uma possível suspensão do serviço diante do atrito entre a empresa e o STF", diz Ayub.

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Ele avalia, porém, que ampliar o número de fornecedores de internet via satélite pode ser bom para o país.

"Ter múltiplos fornecedores do mesmo produto é um indicador de saúde de qualquer mercado, mas nesse em especial, por ser estratégico, é essencial que o Brasil consiga atrair outros competidores da Starlink na categoria LEO para atender tanto o setor público como o privado", afirma.

Do ponto de vista chinês, obter novos mercados para este setor é uma das prioridades do governo. Em 2020, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China, um dos órgãos executivos mais importantes do país, elencou a criação de uma nova infraestrutura de internet via satélite como um dos principais objetivos do país no curto e médio prazos.

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