Você já se perguntou o que acontece com o seu celular velho quando você o entrega em uma loja em troca de um desconto em novo aparelho? Esta medida faz parte de tantas outras ações de logística reversa, uma prática sustentável que busca mitigar os danos causados por uma indústria que produz milhões de eletrônicos. Afinal, quem não tem um celular hoje em dia?
Mais de 90% da população global possui um dispositivo móvel e 80% do impacto climático de um smartphone vem da fase de produção do dispositivo e de seus componentes, segundo relatório da GSMA.
Devido aos impactos causados pela mega produção, as empresas são obrigadas por lei a promoverem ações para diminuir os danos dos produtos que elas colocam no mercado. No Brasil, tanto a Política Nacional de Resíduos Sólidos, quanto a Responsabilidade Estendida do Produtor (REP), operam nesta vertente.
Mas, fica a dúvida: o quanto essas medidas são efetivas e o que pode melhorar? Em entrevista ao Byte, o professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da FEI, Jacques Demajorovic, comenta que a partir do momento que as empresas assumem essa responsabilidade, já ocorre um impacto positivo. Porém, ainda há muito mais a ser feito.
"Antes as empresas só trabalhavam o conceito da logística direta, o importante era produzir, distribuir e vender da forma mais eficiente, sem nenhuma responsabilidade desse produto. A partir do momento que se tem uma lei, há uma logística reversa e uma política para assegurar que esse resíduo não seja depositado em qualquer lugar no meio ambiente", diz.
Celulares deveriam ser mais duráveis
Com o lançamento frenético de novos smartphones e tecnologias mais sofisticadas, o consumidor se sente cada vez mais tentado a trocar de aparelho. E não é só isso, muita vezes, passado o período de garantia, os celulares passam a apresentar falhas.
Neste sentido, Demajorovic, que é especialista na área ambiental com foco nas áreas de resíduos sólidos, ecoeficiência, planejamento e gestão ambiental, comenta sobre a durabilidade dos aparelhos.
"A logística reversa começa justamente no que a gente chama de ecodesign. Seria possível aparelhos mais duráveis? Esse é a chave da questão! Tem que fazer um aparelho não só que dure mais, mas que tenha seus componentes de materiais que possam ser reaproveitados nas cadeias de fluxo reverso", disse Demajorovic.
Ele cita que a indústria se baseia em duas estratégias de venda: a obsolência programada e a obsolência perceptiva. Sendo a primeira relacionada aos produtos são feitos para durar menos e, a segunda, consiste em ações de marketing para que o consumidor sinta a necessidade de comprar um novo computador.
O papel das fabricantes
A Samsung, maior fabricante de celulares do mundo, segundo o IDC, leva com esta marca a responsabilidade de criar soluções sustentáveis para os milhões de aparelhos vendidos todos os anos.
Para isso, a empresa aposta em iniciativas como o Troca Smart, que proporciona descontos na aquisição de um novo dispositivo móvel.
Se o consumidor tem um smartphone, notebook, tablet ou smartwatch quebrado, ou sem uso, pode render descontos na compra de um novo produto da linha Galaxy, por exemplo.
Caso o produto tenha viabilidade técnica e econômica, o dispositivo será recondicionado e colocados à disposição por meio de parcerias para venda de produtos no mercado de usados.
Em entrevista ao Byte, a Samsung informou que os aparelhos são recuperados com peças originais e seguindo rigorosos processos e os padrões de qualidade da empresa.
Outra iniciativa é o Samsung Recicla, programa de logística reversa que possibilita ao consumidor descartar dispositivos eletrônicos de qualquer marca de forma correta e adequada.
A empresa disponibiliza em suas lojas urnas de coleta para produtos de pequeno e médio porte como baterias, carregadores, smartphones, fones de ouvido, tablets, notebooks e televisores abaixo de 40 polegadas. Para descartar produtos de grande porte, o consumidor pode solicitar a coleta em sua própria residência.
Em seguida, a fabricante diz que os produtos são enviados a prestadores de serviços qualificados e licenciados pelos órgãos ambientais competentes para dar o descarte final adequado do material, por meio de ações que envolvem a triagem, desmontagem, trituração e separação de componentes.
Tudo o que for reciclável é processado e transformado por empresas qualificadas para reinserção na cadeia produtiva como matéria-prima. Já o material restante, não caracterizado como reciclável, é destinado a um descarte ambientalmente adequado.
Segundo Luiz Xavier, diretor sênior da área de Customer Service da Samsung Brasil, a responsabilidade com o meio ambiente é uma das principais pautas globais da marca.
"Em agosto de 2021, a Samsung anunciou globalmente a sua visão chamada ‘Galaxy for the Planet’, que representa o compromisso da empresa para, até 2025, diminuir o esgotamento de recursos desde a produção até o descarte dos nossos produtos Galaxy", disse Xavier ao Byte.
Já a Apple, fabricante dos modelos iPhone, também corre contra o tempo para reduzir os impactos ambientais da produção. A empresa anunciou que está eliminando o plástico e tornando asembalagens mais compactas.
A gigante do setor também informou que 22% dos materiais usados em seus produtos no ano 2023 foram reciclados ou provenientes de fontes renováveis.
Mudanças nos aparelhos
No início de 2024, pela primeira vez, o Galaxy S24 apresentou componentes feitos com cobalto reciclado e elementos de terras raras.
"O Galaxy Z Fold6 e Galaxy Z Flip6, recém anunciados, seguem esse compromisso e contêm, por exemplo, um mínimo de 50% de cobalto reciclado na bateria e elementos de terras raras 100% reciclados foram incorporados aos alto-falantes", afirmou Luiz Xavier ao Byte.
Os novos dispositivos também foram projetados com aço reciclado e 10% de TPU reciclado pré-consumo nas teclas de volume. Além disso, inclui a Samsung, os produtos vêm em uma caixa feita de papel 100% reciclado.
"A nova linha Galaxy Z segue o compromisso da Samsung em estender o ciclo de vida dos produtos, oferecendo sete atualizações de sistema operacional e sete anos de atualizações de segurança para ajudar as pessoas a experimentar de forma confiável o desempenho otimizado dos dispositivos Galaxy por um período ainda maior, assim como os modelos Galaxy S24", disse o porta-voz da Samsung.
No caso do top de linha da Apple, o iPhone 15, conta com tungstênio, ouro e cobalto reciclaros.
E o papel do consumidor?
A indústria tem grande responsabilidade sobre a destinação dos resíduos que produz, é fato. Entretanto, os consumidores podem e devem fazer a sua parte. Uma opção que pode ajudar o meio ambiente e também no bolso é a compra de um celular usado.
A empresa Trocafone, líder na compra e venda de smartphones seminovos no Brasil, vende diariamente entre 800 a 1.000 aparelhos, e aproximadamente 30 mil produtos por mês.
No total, já foram 2.705.723 de aparelhos recondicionados e 596 toneladas a menos de resíduos eletrônicos.
Primeiramente, cada aparelho captado passa por uma avaliação de segurança para verificar sua procedência legal. Em seguida, o recondicionamento de celulares envolve as seguintes etapas: teste de funcionalidade, substituição de componentes defeituosos, atualização de software e limpeza.
Após passar pela revisão time técnico, o aparelho é comercializado no site da Trocafone, nos quiosques em shoppings e em sites parceiros.
Em entrevista ao Byte, Flávio Peres, CEO da Trocafone, explicou que o modelo de revenda de smartphones está totalmente alinhado à economia circular ao diminuir o descarte de resíduos eletrônicos e democratizar o acesso à tecnologia.
"Ao comprar ou vender celulares seminovos, contribuímos para prolongar a vida útil desses aparelhos. Isso ajuda a evitar o descarte precoce de materiais, além de promover um consumo sustentável como alternativa à produção desenfreada de novos smartphones", diz Peres.
Impactos no meio ambiente
O CEO da Trocafone inclui ainda que comprar um aparelho seminovo representa 88% de resíduo eletrônico a menos no planeta, com preservação de 258 kg de matéria-prima, 92% a menos de dióxido de carbono (CO₂) no meio ambiente e economia de mais de quatro trilhões de litros de água.
A economia circular é capaz de poupar até 21,4 milhões de toneladas de emissões de CO₂ anualmente até 2030 ao prolongar a vida útil dos smartphones em pelo menos um ano, conforme dados da GSMA.
O processo de reaproveitamento
De um único aparelho eletroeletrônico é possível retirar plástico, vidro, cobre, metais preciosos (como ouro e prata) que voltam para a cadeia produtiva para a fabricação de novos produtos.
Pensando nisso, a empresa Green Eletron conta hoje com 8 operadores de manufatura reversa, comumente conhecidos como recicladores de lixo eletrônico, distribuídos em todos os estados do país.
Ademir Brescansin, gerente-executivo da Green Eletron, explicou em entrevista ao Byte que os aparelhos coletados passam por uma triagem para ter a destinação correta, são desmontados manualmente ou triturados mecanicamente.
"São diversas etapas que, por tipo de material, facilitam o reaproveitamento e a destinação final específica para a matéria-prima extraída. Com as matérias-primas separadas e trituradas, é a hora de levar os insumos para as indústrias que vão produzir novos produtos (desde novos eletroeletrônicos até assoalhos e cimento)", diz Brescansin.
"Com esse ciclo todo garantido, as empresas podem evitar a extração de recursos naturais e preservar o nosso planeta, ao mesmo tempo que garantem uma fonte inesgotável de matérias-primas", acrescenta.
As matérias-primas de origem secundária, ou seja, de materiais reciclados, têm a mesma qualidade das de extração natural.
O plástico é transformado novamente em resina e está pronto para ser reinserido na cadeia produtiva, os metais podem ser usados na construção civil, e até mesmo as partes que acabam se misturando podem ser transformadas em madeira plástica para a utilização em assoalhos, paletes, móveis, entre outros, diz Ademir Brescansin.
Além do reaproveitamento dos resíduos, vale ressaltar que, quando descartados incorretamente, existe um grande risco destes materiais acabarem no meio ambiente (lixões ou em aterros não controlados). Quando isso acontece, pode ocorrer a contaminação do solo e da água com substâncias perigosas presentes nos eletroeletrônicos.