"O jornalismo está sendo destruído pela internet, e isso nos leva a um futuro incerto e muito perigoso." Esta é a visão do psicólogo Robert Epstein, doutor pela Universidade de Harvard que se dedica a estudar a atuação nas redes sociais das gigantes de tecnologia e defende uma interferência direta nessas empresas.
Segundo ele, as pessoas não têm mais como discernir o verdadeiro do falso, porque "a informação vem de todos os lados, sem os filtros, que eram os processos de apuração do jornalismo". "Um impacto como esse (das redes sociais) jamais existiu na história humana."
Em entrevista à BBC News Brasil, o atual diretor do Cambridge Center for Behavioral Studies, dos EUA, defendeu que haja uma intervenção direta nas empresas que controlam as redes sociais, para que a disseminação de notícias falsas - as chamadas "fake news" - não interfiram em processos eleitorais.
Em 2015, Epstein publicou um polêmico artigo classificando os sites de busca na internet, e o Google em especial, como uma séria ameaça aos sistemas democráticos de governo.
Ele acusava a empresa de ter difundido notícias favoráveis à candidata democrata Hillary Clinton no começo da campanha para as eleições presidenciais americanas em 2016. Hillary acabou derrotada pelo atual presidente, Donald Trump.
O então diretor de pesquisa do Google, Amit Singhal, rejeitou as alegações e disse que a empresa "nunca interferiu na ordenação de resultados de buscas feitas sobre temas políticos ou algum outro assunto, com o objetivo de manipular a opinião de seus usuários."
Epstein insiste, porém, que o setor de tecnologia precisa de mais monitoramento, sem o qual a atuação dessas corporações gigantescas pode ser extremamente nociva à democracia.
Para ele, "ninguém, nenhuma empresa, nenhuma entidade deve ter tanto poder concentrado, e ficar imune ao monitoramento."
A premissa de Epstein é que empresas como Google, Facebook e WhatsApp são "forças do caos", que não prestam contas de suas metas e processos a ninguém. "Elas são as forças mais poderosas do mundo atual e, com elas, todas as redes sociais."
Epstein acredita que, atualmente, uma das maneiras mais eficazes de exercer influência política, por exemplo, é "doar dinheiro a um candidato para que ele use a tecnologia para garantir sua vitória nas urnas."
Ele disse não ter se surpreendido com a proliferação de mensagens falsas durante a campanha eleitoral no Brasil, que para muitos foi um dos fatores determinantes do resultado das eleições, apesar de pesquisa do Ibope ter indicado que a influência das redes sociais não foi tão grande quanto imaginado.
"Hoje cria opiniões quem gritar mais alto e falar aos medos de segmentos e ideias pré-concebidas do público. Sem controle, sem processos, sem prestar contas a ninguém. Isso é um futuro bom? De jeito nenhum. Acho que estamos indo numa direção muito perigosa."
Há seis anos, Epstein se dedica a estudar a operação do Facebook e principalmente a do Google, a maior plataforma de busca do mundo.
"Já existia um bom volume de textos científicos sobre como os resultados de buscas na internet influenciavam as escolhas e compras dos usuários. Especificamente, a ordem em que as respostas às buscas eram apresentadas acabava por determinar a decisão final do usuário."
Fascinado pela quantidade de informação disponível, Epstein reuniu num pequeno grupo alunos e amigos, e com eles começou a fazer testes.
Em vez de "compras", Epstein propôs testar a influência da ordem de apresentação dos resultados de buscas em questões políticas durante a campanha eleitoral.
Baseado em pesquisas semelhantes, Epstein esperava um impacto entre 2% e 4%.
"No primeiro teste, a ordem de apresentação de resultado da busca alterou em 48% a intenção de voto", ele diz.
"No segundo teste, a alteração foi de 63%."
"Fiquei horrorizado", ele diz.
"Algo aparentemente tão simples tinha um impacto tão vasto, tão profundo, era capaz de mudar as opiniões das pessoas sobre os candidatos numa escala enorme."
Em 2014, Epstein levou seu laboratório de pesquisa para a Índia. Ele queria repetir os testes na eleição que elegeu o novo parlamento da "maior democracia do mundo", com 815 milhões de eleitores.
"Os resultados foram idênticos aos dos Estados Unidos", Epstein diz. "Os eleitores indianos foram igualmente afetados pelo modo e ordem em que os candidatos eram apresentados em buscas."
"Estas são questões muito sérias", Epstein continua, "quem controla essas empresas? Como funcionam internamente? A quem eles respondem? O impacto de empresas como essas jamais existiu na história humana."
"Vivemos numa era de profundas transformações e de poderes que jamais acreditamos ser capazes de influenciar o modo que pensamos e que agimos", acrescenta ele.
"E o pior ainda vem por aí", ele diz - os "realfakes" ou "deepfakes", aplicativos capazes de criar fotos e vídeos colocando uma pessoa em qualquer cenário ou situação, fazendo e dizendo algo que nunca teria feito ou dito na vida real.
"Vamos começar a ver esse tipo de fakes muito em breve sendo usado em larga escala", ele alerta.
"A manipulação dos resultados de busca pela alteração do algoritmo e pela criação de "eventos efêmeros, a capacidade de plataformas de eliminar contas sumariamente e divulgar, através de conteúdo fornecido por terceiros, informações falsas - como se viu recentemente no Brasil, com o WhatsApp -, acontecem porque nossas instituições ainda estão vivendo num mundo onde nada disso existe", diz Epstein.
O pesquisador está, neste momento, desenvolvendo um sistema de monitoramento de plataformas online que, segundo ele, pode ser a única saída para conter a disseminação de informação manipulada.
"A única solução viável que vejo são sistemas de monitoramento capazes de captar imediatamente distorções e conteúdo falso, e fornecer provas de ambos", diz Epstein.
"Provas substanciais, capazes de apoiar um processo legal, um litígio e outras medidas legais."
A meta a longo prazo, ele diz, é "tornar plataformas online mais responsáveis e dar mais apoio ao jornalismo, restaurando sua capacidade de disseminar informação."
Mas, ele acrescenta, "um sistema desses é caro. É preciso investimento para isso. Mas, para enfrentar a tecnologia, só mais tecnologia".