Por que restaurar o orçamento do CNPq não resolve os problemas da ciência no Brasil

Governo Lula já anunciou que destinará verba para a ciência, mas especialistas acreditam que problema é mais profundo

25 jan 2023 - 05h00
(atualizado em 27/1/2023 às 10h18)
CNPq tem longo caminho para a reconstrução de políticas
CNPq tem longo caminho para a reconstrução de políticas
Foto: CNPq/Marcelo Gondim e Carlos Cruz

O governo Lula (PT) já sinalizou que voltará a destinar recursos para a ciência após a área ter sofrido duros cortes durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL). No entanto, para especialistas, isso está longe de significar que os problemas de instituições como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) acabaram. 

O pico de verbas para o órgão, que é vinculado ao Ministério da Ciência, ocorreu em 2013; nos dez anos seguintes, o orçamento da agência encolheu mais de 60%. A ministra Luciana Santos anunciou uma previsão de cerca de R$ 10 bilhões para a pasta, mas, mesmo que mais dinheiro chegue ao CNPq, gestores terão que lidar com cenário "desolado" na instituição de fomento à pesquisa. 

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"Quando a gestão anterior começou, ja havia demandas imporantes. A partir daí, não tivemos o avanço, e sim retrocesso. O CNPq passará pelo seu maior desafio até agora, pois a ciência foi depauperada", diz Sabine Righetti, doutora em política científica e tecnológica pela Unicamp.

Além de ter recebido pouco dinheiro para o pagamento de bolsas de mestrado e doutorado, uma de suas principais atribuições, o CNPq não recebeu verbas suficientes para cumprir outra obrigação da instituição: oferecer estrutura para o desenvolvimento de suas próprias pesquisas.

"As bolsas acabaram virando o meio dos pós-graduandos darem contiuidade às pesquisas. Temos pós-graduandos que tiram dinheiro da própria bolsa pra comprar material de laboratório", pontua Vinícius Soares, presidente da Associação Nacional dos Pós Graduandos (ANPG).

Os especialistas ressaltam que, graças a um orçamento apertado por anos, muitas linhas de pesquisa que precisavam de orçamento para manutenção de equipamentos, por exemplo, foram abandonadas, e retomá-las depende da vontade política de gestores, além do dinheiro.

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"Será como um pós-guerra: vamos ver onde as bombas caíram e destruíram mais para ir resolvendo aos poucos", afirma Righetti.

Luciana Santos é nova ministra da Ciência
Foto: Agência Brasil

Mercado de trabalho

Uma outra condição econômica também assola o cenário da ciência no Brasil. Hoje, muitos pesquisadores estão fora do país porque o mercado de trabalho doméstico não os absorve, e as oportunidades acabam sendo mais vantajosas no exterior.

Em março de 2023, se completarão dez anos desde que o valor mensal das bolsas foi corrigido pela última vez. Desde então, mestrandos recebem R$ 1.500 e doutorandos R$ 2.200 – em ambos os casos, o pesquisador não arrecada para a previdência e assina um contrato de exclusividade que o impede de exercer outras atividades remuneradas.

"Um recém-graduado em engenharia ou direito pode receber facilmente um salário de R$ 3 mil assim que sai da faculdade, enquanto o pesquisador não tem sequer direito trabalhistas ou previdenciários", ressalta Santos.

Righetti, da Unicamp, acredita ser necessário retomar discussões sobre a obrigatoriedade de ajustes períódicos no valor das bolsas, como o proposto pelo PL 4144, de 2021, elaborado pelo então deputado federal e, agora, Ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira.

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Segundo a ANPG, doutores e mestres brasileiros enfrentam dificuldades mesmo quando querem ficar no país. Dados da associação mostram que, dos empregados, 75% só conseguem emprego no setor da educação.

"A ciência precisa ter presença em todos os setores para conseguirmos transformar conhecimento em inovação", declara Soares.

Ricardo Galvão é o novo presidente do CNPq
Foto: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

Questão de imagem

O diálogo com o setor privado e incentivos a ele também serão essenciais, na visão dos especialistas, para restaurar a confiança das empresas na capacidade de produção das univerisades, cuja credibilidade foi constantemente atacada por parte do governo federal nos últimos quatro anos.

"Isso tudo se deve muito à imagem que foi disseminada nos últimos anos por presidentes e seus ministros. Temos que reconstruir pontes na cultura científica, com programas de formação e pós-graduação unindo o setor privado", diz Righetti.

Cientistas precisam receber a mensagem do governo federal que de eles são importantes – principalmente os que foram historicamente negligenciados e marginalizados pela própria comunidade científica.

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"Enquanto a ciência não for representativa, não tiver negros e indígenas, e a academia não refletir a diversidade, não estará pronta pra enfrentar os desafios reais que nosso país tem", defende a diretora de pesquisa científica do Instituto Serrapilheira, Cristina Caldas.

O que diz Ricardo Galvão

Quem assume a presidência do CNPq é Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe exonerado em 2019 por Jair Bolsonaro, que, na época, acusou a instituição de forjar dados sobre o desmatamento e agir a "serviço de alguma organização não governamental (ONG)".

Ao tomar posse, Galvão afirmou ao jornal da USP que seria necessário "paciência" para a implementação de mudanças na pasta, e que estas certamente não seriam imediatas.

"Tudo tem que caber no orçamento, e o compromisso com a responsabilidade fiscal é claro no governo", disse.

À TV Vanguarda, o gestor afirmou que um aumento no orçamento do órgão "certamente" iria permitir um acréscimo no valor das bolsas.

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Fonte: Redação Byte
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