QI é sinônimo de inteligência? Não é bem assim, segundo especialistas

Novo teste promete identificar QI pela genética; no entanto, fatores culturais e acesso à educação também podem aprimorar habilidades

21 out 2023 - 05h00
QI alto não pode ser considerado, sozinho, sinônimo de inteligência
QI alto não pode ser considerado, sozinho, sinônimo de inteligência
Foto: Canaltech

Os debates sobre a relação entre QI (Quociente de Inteligência) e inteligência têm sido uma constante na psicologia e na educação. Mas quando se trata de crianças superdotadas, essa discussão adquire questões ainda mais abrangentes.

Enquanto o QI é uma ferramenta amplamente usada para medir a capacidade cognitiva, a superdotação revela que a inteligência não pode ser definida exclusivamente por um número em um teste.

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E para aflorar ainda mais esse debate, um novo teste promete identificar este índice no nascimento. Fabiano de Abreu Agrela, um pós-doutor em neurociências e membro da Sociedade de Neurociência dos Estados Unidos, criou um sistema para identificar genes associados ao QI.

Segundo a pesquisa, esse teste genético não apenas oferece informações sobre a inteligência individual, mas também pode revelar predisposições a condições como Alzheimer, bipolaridade, autismo e transtornos como TDAH, entre outros.

A abordagem visa melhorar a prevenção e o atendimento à saúde mental, possibilitando intervenções mais direcionadas e precoces. Os testes são realizados em colaboração com o CPAH (Centro de Pesquisa e Análises Heráclito), em parceria com laboratórios na França e nos EUA.

Anteriormente, um estudo publicado este ano na revista científica Zoonomia mostrou a influência em nossa biologia das regiões humanas aceleradas (HARs). Trata-se de 49 segmentos do genoma humano que foram mantidos na evolução dos vertebrados, mas com grandes diferenças nos humanos em relação a outros seres.  

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Alguns desses HARs nos deram as qualidades que nos separam dos parentes biológicos mais próximos: primatas como os chimpanzés e bonobos.

Na ocasião, os pesquisadores deixaram claro que as HARs têm seu papel no desenvolvimento embrionário, especialmente nos caminhos neurais associados à inteligência, leitura, habilidades sociais, memória, atenção e foco, traços que nos diferenciam de outros animais.

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Descobrindo alto QI com a genética 

O relatório de inteligência genética é uma análise multigênica usando estudos replicados e cálculos matemáticos com z-score — que quantifica a distância de um valor em relação à média de um grupo. No caso, pessoas com pontuação de QI registrada.

Como Abreu Agrela explicou ao Byte, é possível obter dessa forma variantes, chamadas de adjacentes, que contribuem para a pontuação genética do relatório. Esta, por sua vez, estaria em consonância com os resultados dos atuais testes de QI. 

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“Tem que ser levado em consideração fatores ambientais, mas também fatores específicos relacionados à saúde mental do indivíduo analisado”, contou.

No entanto, ainda que o teste possa determinar os “genes do alto QI”, a questão de inteligência e esperteza é muito mais ampla.

Fatores culturais e acesso à educação pode influenciar aprimoramento da inteligência
Foto: Shutterstock / Brasil Escola

E os testes?

A medição do Quociente de Inteligência é geralmente realizada por meio de testes padronizados por sociedades para superdotados. Eles são projetados para avaliar a capacidade cognitiva de um indivíduo. 

Normalmente, costumam abranger uma variedade de áreas, incluindo raciocínio lógico, memória, habilidades matemáticas, compreensão verbal e resolução de problemas. Os resultados desses testes são comparados com a média da população, que tem uma pontuação média de QI de 100.

Dessa forma, se alguém obtiver uma pontuação acima de 100, isso indicaria um QI acima da média, e vice-versa.

Contudo, discute-se há algum tempo que os testes de QI podem não capturar todas as facetas da inteligência, como a inteligência emocional, criatividade ou habilidades práticas, e, por isso, a interpretação dos resultados deve ser feita com cautela. 

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Mas afinal, QI alto é sinônimo de inteligência?

Crianças superdotadas frequentemente exibem resultados extraordinários em áreas como criatividade, resolução de problemas, raciocínio lógico e habilidades sociais.

Suas mentes operam em uma sintonia única, permitindo que pensem de forma crítica, inovadora e sintetizam informações de maneiras que desafiam o senso comum. 

No Brasil, o Censo Escolar, produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), levantou 26.815 estudantes brasileiros com perfil de superdotação e altas habilidades em 2022.

Os casos mais recentes são dois brasileiros que foram aceitos na Infinity International Society, sociedade de alto QI. Lis Costa Ribeiro, de três anos, atingiu 143 no no teste da instituição no final de setembro deste ano e o irmão Theo Costa Ribeiro, de cinco anos, registrou 146 pontos de QI no mesmo exame.

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No entanto, educadores e especialistas em superdotação são unânimes em enfatizar que a inteligência é muito mais abrangente do que a medição de um teste de QI. 

Como explicou ao Byte Clarissa Maria Marques Ogeda, doutoranda em educação pedagoga pela Universidade Estadual de de São Paulo (Unesp), “o QI é um indicador importante, mas não único, de inteligência, não sendo recomendado pela literatura seu uso de maneira isolada, na avaliação”, afirmou.

Por outro lado, Abreu Agrela acredita que a inteligência é genética. “Isso foi provado e é o propulsor para o desenvolvimento da própria inteligência e da cognição”, disse o neurocientista.

Outro mito bastante comum é sobre a expectativa de grandes feitos ou trajetórias protagonizadas por superdotados. Um exemplo disso seria o físico Albert Einstein, que tinha QI em torno de 160 pontos.  

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Ogeda afirma, contudo, que uma pessoa com QI alto não apresenta altas habilidades o tempo todo. É possível até mesmo que ela falhe em certos pontos.  

“Temos de ter em mente que nenhuma condição é impeditiva para a ocorrência da superdotação. Nem mesmo as dificuldades de aprendizagem em áreas específicas ou deficiência intelectual”, afirmou. 

A inteligência pode ser aprimorada?

Um fenômeno observado na área da psicologia e da educação, chamado de "Efeito Flynn" descreve o aumento sistemático das pontuações médias de QI ao longo das gerações. 

Esse efeito foi identificado pelo psicólogo americano James Flynn (1934-2020) e desafia a ideia de que o QI é uma característica estática e inalterável. Em vez disso, sugere que o QI médio da população tem aumentado ao longo do tempo, geralmente a uma taxa de cerca de 3 pontos por década.

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Isso leva a uma situação curiosa na prática. Se um americano de inteligência média, dos tempos atuais, fizesse o primeiro teste de QI criado, ele faria por volta de 130 pontos, uma pontuação atribuída a gênios. No sentido inverso, se o teste atual fosse aplicado a um americano médio que viveu século passado, sua pontuação seria em torno de 70, bem inferior.

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Alguns pesquisadores acreditam que o aumento do acesso à educação, melhoria das condições de vida, mudanças na nutrição e exposição a estímulos intelectuais podem estar entre os fatores que contribuem para esse fenômeno.

Em suas pesquisas, Flynn também reforçou a corrente da genética ser capaz influenciar a expressão da inteligência — no caso, em até 80% na vida adulta. Já na infância, os genes são responsáveis por apenas 20% do QI. 

Nessa idade, a intervenção dos pais é mais importante, pois são eles que conversam com os filhos, leem para eles e treinam sua habilidade para contar.

A psicóloga Luana Ganzert, especialista em terapia cognitiva comportamental, afirmou ao Byte que considerar fatores contextuais e culturais na interpretação dos resultados de QI é crucial para garantir uma avaliação justa e precisa da inteligência de um indivíduo.

“Ignorar o contexto cultural pode levar a uma interpretação incorreta dos resultados, comprometendo a validade da avaliação”, disse. 

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Para Clarissa Ogeda, para que a inteligência seja aprimorada é necessário promover um ambiente que incentive o desenvolvimento de habilidades cognitivas e artísticas.

Há até uma legislação para isso: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), em seu artigo 4º, inciso V, diz que é dever do Estado garantir o “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”. 

“Existe a necessidade de se pensar nas habilidades sociais desses sujeitos, as quais podem ser aprimoradas por meio do autoconhecimento, do empoderamento e do gerenciamento de comportamentos, objetivando a autorrealização”, disse a pesquisadora. 

Segundo ela, é necessário ofertar oportunidades diferenciadas e estimular a criatividade e o pensamento crítico de pessoas com altas habilidades. "Isso pode levar, também, a descobertas inovadoras e à solução de problemas causados pela dinâmica contemporânea do mundo."

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Fonte: Redação Byte
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