A Amazon começou a testar no último mês o uso de "funcionários robôs" em um de seus estoques em Seattle, nos EUA. O humanoide Digit, produzido pela Agility Robotics, levanta dúvidas se a já conhecida automação nas fábricas pode ter atingido um outro patamar — e como isso pode afetar empregos.
O Digit é capaz de transitar por espaços humanos sem dificuldade. Com isso em mente, a Amazon se adiantou em tranquilizar ânimos quanto à possibilidade dos "novos funcionários" substituírem os de carne e osso.
Tye Brady, tecnólogo-chefe do setor de robôs da companhia, disse em uma coletiva de imprensa que deseja “eliminar todas as tarefas servis, mundanas e repetitivas” dentro dos negócios da Amazon.
Mas ele negou que isso levaria a cortes de empregos, alegando que isso não significa que a big tech exigirá menos funcionários. Brady afirmou que as pessoas são “insubstituíveis” nas operações da empresa e rejeitou a sugestão de que um dia poderia ter um armazém totalmente automatizado.
“Nunca estive perto de um sistema automatizado que funcionasse 100% do tempo. Eu não acho que você também tenha", disse.
Em uma apresentação institucional da Agility Robotics, a empresa afirma que robôs que podem operar em espaços humanos, como o Digit, "representam uma era completamente nova da robótica".
"Acreditamos que os robôs devem se adaptar aos ambientes que os humanos já projetaram de acordo com as nossas próprias necessidades, e não o contrário. Isso é o que queremos dizer com robótica centrada no ser humano", diz.
Ainda não está claro, entretanto, como a gigante do e-commerce pretence manter o quadro de funcionários com qualificação média, à medida que funções desempenhadas por operadores humanos são substituídas pelos autômatos.
Mais sobre o Digit
Com uma estatura de 175 cm e um peso inferior a 65 kg (143 lbs), o Digit é um robô bípede, possuindo uma estrutura que inclui torso, cabeça, dois braços e duas pernas. Algumas de suas funcionalidades:
- Ao detectar um obstáculo ou pessoa, ele pausa e contorna;
- Executa movimentos como agachar e girar o torso para observar diferentes direções.
- Utiliza seus membros para manter o equilíbrio, mesmo ao tropeçar.
- É capaz de manusear objetos de diversos tamanhos e pesos, além de realizar movimentos como subir e descer meios-fios.
Seu tempo de operação otimizado é de 16 horas diárias, equivalente a dois funcionários em tempo integral, segundo a Agility Robotics. Quando necessita recarregar, o Digit se acopla autonomamente à sua estação de carregamento.
O robô será inicialmente empregado pela Amazon para auxiliar os funcionários na reciclagem de sacolas, um processo repetitivo de coleta e movimentação de contêineres vazios. A Agility Robotics anunciou que os primeiros robôs estarão disponíveis para os clientes do Agility Partner Program em 2024, com uma disponibilidade mais ampla prevista para 2025.
Além do Digit, a Amazon apresentou recentemente outros robôs que irão integrar sua operação logística:
- Proteus: desenvolvido para mover grandes cargas nos centros de distribuição nos EUA;
- Cardinal: encarregado de classificar pacotes nos centros de distribuição;
- Sparrow: capaz de detectar, selecionar e manipular produtos individualmente nos armazéns;
- Sequoia: braço robótico com IA projetado para agilizar o atendimento de pedidos, identificando e armazenando encomendas.
Não é novo, mas ainda assusta
Um pensamento comum nessa discussão é que novas tecnologias, como robôs, poderiam criar outros tipos de emprego, mais qualificados, enquanto encerram postos de trabalho braçais comumente ocupados por humanos.
Mas Marcos Fernandes, doutor em economia e professor da Fundação Getulio Vargas, acha que isso é a palavra da empresa na defesa dos interesses dela. "A evidência em estudo que temos, aliás, diz que a adoção de robôs industriais tem impacto negativo em empregos e no salário", pontua.
Foi o que aconteceu de certa forma em inúdstrias como a automobilística, mas que não deve ocorrer na mesma intensidade em setores como o de logística.
Para Fernandes, há espaço para trabalhos 'finos' na montagem de carros, por exemplo. "Já na gestão de estoques, acho que não", pondera.
A Amazon afirmou em um comunicado à imprensa que, nos últimos dez anos, implementou centenas de milhares de sistemas robóticos e, ao mesmo tempo, criou centenas de milhares de empregos, com 700 categorias de novos tipos de trabalho, em funções qualificadas, que não existiam anteriormente na empresa.
"Ao equipar nossos funcionários com novas tecnologias e treiná-los para desenvolver novas habilidades, estamos criando planos de carreira e maneiras novas e estimulantes para as pessoas contribuírem aqui na Amazon", diz o anúncio.
O passo da gigante do e-commerce foi o prenúncio de uma tendência que não deve demorar para chegar no Brasil, na visão de Jefferson Gomes, diretor de inovação da Confederação Nacional das Indústrias (CNI).
"Não é que algo assim 'poderia acontecer'. Acontecerá. Principalmente para profissões perigosas para a saúde, como as de carregar peso", comenta.
O especialista cita a difusão e o barateamento de sensores, braços mecânicos e, por último, mas não menos importante, o "boom" de sistemas de inteligência artificial (IA), como elementos chave no processo.
"Eu me preocupo mais com situações perigosas de trabalho do que com robôs. Pensando em acidentes de trabalho, basta um único dia para que compense mais ter um robô do que uma vida em um ambiente perigoso", comenta.
Ao Byte, a Amazon afirmou que não estabelece contraponto entre o trabalho humano e a automação por serem atividades que "se complementam e devem coexistir".
"A tecnologia e as pessoas estão muitos conectadas no setor logístico. Embora a primeira tenha revolucionado processos e, ao mesmo tempo, desempenhando um papel fundamental na otimização e automação de tudo, o capital humano é essencial, pois é indispensável para as decisões estratégicas, interações com clientes, gerenciamento de situações inesperadas e supervisão das tecnologias e inovações. A tecnologia faz uma parte, mas quem coordena, ajusta e toma decisões são as pessoas", disse Thomas Kampel, líder de comunicação corporativa da Amazon no Brasil.
Equilibrar a automação com o impacto social e humano é uma necessidade em constante evolução, nas palavras da gigante do e-commerce.
A empresa também afirmou que investe em programas de treinamento e desenvolvimento de funcionários "para que saibam e entendam as oportunidades de adquirir novas habilidades, criando até novas oportunidades profissionais".
*Nota atualizada na quarta-feira (8) com o posicionamento da Amazon.