O Uber interferiu na legislação de diversos países da Europa para acelerar a expansão internacional da startup americana, apontam documentos confidenciais revelados neste domingo, 10, pelo jornal britânico The Guardian em consórcio com outros veículos de imprensa estrangeira. Ao todo, 124 mil arquivos de 2013 a 2017 foram expostos em uma série batizada de Uber Files, composta por mensagens, e-mails e apresentações de executivos da companhia.
Segundo os documentos, o Uber encontrou-se com ao menos seis líderes mundiais para acelerar o lobby em seus países, incluindo o então vice-presidente ameircano Joe Biden (hoje presidente dos Estados Unidos), o então ministro da Economia da França Emmanuel Macron (hoje presidente francês) e o então primeiro-ministro de Israel Prime Minister Benjamin Netanyahu. Membros da Comissão Europeia também foram procurados pela companhia.
A empresa americana tinha como objetivo alterar as legislações locais para acomodar o Uber, que muitas vezes operava fora da lei devido ao modelo de negócio batizado de "economia criativa", por onde demanda e oferta encontram-se em plataforma digital. A movimentação foi comandada pelo fundador e presidente executivo Travis Kalanick, figura controversa substituída em 2017 pelo atual CEO, Dara Khosrowshahi.
Em 2014, Kalanick encontrou-se pelo menos quatro vezes com Macron para iniciar a expansão europeia do Uber, começando pela França. Com o lançamento do UberPop no país, o então ministro prometeu reformar a legislação da França para permitir a operação da companhia após a explosão de protestos de taxistas franceses contra o aplicativo americano.
"Vou reunir todo mundo na próxima semana e preparar uma reforma para corrigir a lei", escreveu Macron em junho de 2015, segundo a BBC. Meses depois, o ministro assinou uma legislação regulamentando o cadastro de motoristas para a empresa americana.
Além disso, os documentos vazados apontam como executivos do Uber debochavam de políticos e se consideravam "piratas" por operarem fora da lei: "Somos ilegais para caramba", brincou um executivo, segundo o The Guardian.
Outra mensagem mostra um executivo chamando o então prefeito de Hamburg e hoje primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholtz, de "comediante de verdade". Na ocasião, ele havia afastado lobistas do Uber e defendeu a criação de um salário mínimo para os motoristas da empresa.
Uber incentivou violência contra motoristas
Segundo os documentos, o Uber incentivou violência contra os próprios motoristas, que eram alvo de protestos de taxistas em diversos países, como França, Itália, Bélgica, Espanha e Holanda. Para alguns executivos, esses casos eram uma forma de forçar regulamentação e ajudar a popularizar o aplicativo: "Acredito que valha a pena", escreveu Kalanick. "Violência garante sucesso. E esses caras (taxistas) devem ser confrontados, não?"
No lançamento na Índia, Kalanick recomendou a executivos do país asiático que "abracem o caos. Significa que vocês estão fazendo algo útil". "Saibam que isso faz parte do negócio do Uber", afirmou o CEO em referência a eventuais protestos no país.
Ao The Guardian, um porta-voz de Kalanick disse que o empresário nunca sugeriu que a companhia tirasse vantagem da violência às custas dos motoristas.
Uber reconhece erros
Em nota à reportagem do Guardian, o Uber afirma que "milhares" de livros, reportagens e "até série de televisão" foram feitos sobre a história da companhia até 2017. "Esses erros levaram ao mais infame acerto de contas da América corporativa. Isso levou a um enorme escrutínio público, processos, investigações de governos e a demissão de diversos executivos", escreve a empresa americana.
Desde então, continua, a contratação de Dara Khosrowshahi veio para transformar a empresa, impor uma nova cultura de trabalho e metas sustentáveis. Compliance, código de ética e governança foram criados dentro da companhia. "Quando dizemos que o Uber é uma companhia diferente hoje, dizemos isso literalmente: 90% dos funcionários atuais chegaram à empresa depois de Dara."
"Não vamos e não iremos dar desculpas por comportamentos passados que claramente não estão de acordo com nossos valores atuais. Em vez disso, pedimos ao público que nos julgue pelo que fizemos nos últimos cinco anos e pelo que faremos nos próximos anos", diz.