Nos registros da literatura médica, as lesões causadas pela varíola dos macacos (monkeypox) aparecem como pápulas, marcas sólidas e pouco elevadas que frequentemente evoluem para pústulas, com pus em seu interior, ou para vesículas, bolhas repletas de líquido que, rompidas, se tornam feridas. Com o aumento do número de casos no surto atual da doença, no entanto, outras manifestações clínicas dessas lesões têm sido analisadas por estudos e percebidas por profissionais da saúde.
Segundo o médico dermatologista Egon Luiz Rodrigues Daxbacher, coordenador do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), trata-se de um comportamento esperado quando os casos de uma infecção aumentam ou, então, quando se analisa surtos diferentes da doença. "Estamos nos deparando com quadros diferentes e essas lesões estão começando a ser descritas agora. À medida que mais casos forem reconhecidos e mais exames forem feitos, será possível ter mais informações sobre essas características, se são novas ou fenômenos isolados", explica.
No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), um dos centros de referência para atendimento de casos da doença no Brasil, também têm sido notadas características que variam da descrição clássica de monkeypox. "Sempre se falou que as lesões estariam em igual estágio, mas, na prática, temos encontrado em diferentes estados; algumas manchinhas, outras pápulas e outras com bolhas, o que seria mais semelhante ao que ocorre na varicela ou na catapora", exemplifica Ana Catharina Nastri, médica infectologista e Supervisora da Enfermaria da Divisão de Infectologia do hospital.
Segundo os médicos, algumas das formas de ocorrência que têm sido registradas são:
- Pápulas
- Pústulas
- Lesões umbilicadas em que no meio da elevação da vesícula há uma saliência para baixo, que se assemelha a um umbigo
- Uma única lesão em todo o corpo do paciente
- Lesões apenas em áreas de mucosas, como a boca
- Lesões em apenas uma parte do corpo
- Superficiais com formação de bolhas
Em casos em que a contaminação ocorreu por contato sexual, as marcas são notadas concentradas na região genital e, segundo informou em nota a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, observou-se que o aspecto delas se modifica em casos em que os diagnósticos de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e monkeypox se misturam.
A infectologista ressalta que observações similares têm sido feitas também em outros países. Uma pesquisa científica realizada no Reino Unido e publicada no periódico The British Medical Journal identificou dor na região do ânus e inchaço no pênis como novos sintomas relacionados à ocorrência de monkeypox. Além de lesões cutâneas e da dor, os 197 pacientes que foram submetidos à análise clínica também relataram ter tido febre.
Publicado na mesma revista, um estudo conduzido na Espanha com 185 pacientes registrou uma nova forma de lesão caracterizada pela formação de pseudo-pústulas esbranquiçadas em que não há líquido ou pus. Depois de algum tempo, elas passam por um processo de necrose e rompem na forma de feridas. A pesquisa sugere que as marcas aparecem de forma localizada na região do corpo em que ocorreu a inoculação do vírus no organismo, o que acontece em doenças causadas por outros vírus do gênero Orthopoxvirus e pode, com mais estudos, se demonstrar uma característica do atual surto de varíola dos macacos.
Como diferenciar de outras doenças?
Desde o diagnóstico do primeiro caso de monkeypox registrado na capital de São Paulo, há dois meses, a doença já se espalhou por 67 municípios do Estado. Com 1.370 casos registrados até a terça-feira, 9, a capital concentra hoje 80% dos 1.636 pacientes. De acordo com a experiência clínica obtida até o momento, as marcas da varíola dos macacos podem se assemelhar às provocadas por outras doenças.
Ana Catharina Nastri explica que as lesões têm aparecido nas palmas das mãos dos pacientes, o que era uma característica comumente atribuída à sífilis. No que diz respeito à aparência, elas também podem ser confundidas com feridas causadas por Infecções Sexualmente Transmissíveis, como as manchas vermelhas da gonorreia disseminada, as bolhas localizadas e concentradas da herpes e a própria sífilis, que, segundo a médica, pode desencadear diversos tipos de erupções cutâneas.
Podem, ainda, ser muito semelhantes às lesões umbilicadas e firmes do molusco contagioso — doença relativamente comum em crianças causada pelo poxvírus, parente da varíola — e até mesmo de reações farmacológicas, capazes de desencadear, entre outras manifestações, manchas vermelhas e bolhas na pele.
Em caso de suspeita de infecção, alguns dos fatores a serem considerados são a existência de contato com alguém contaminado, mesmo que indireto, e a existência de lesões. A orientação é procurar atendimento médico para eliminar a dúvida ou efetivar o diagnóstico: "Existem algumas características que são mais sugestivas, como a forma umbilicada, mas já houve resultado positivo para a doença em casos que, apenas observando as lesões, acharíamos que não era", explica a infectologista.
Para Daxbacher, é preciso ter cuidado para que a apresentação de diferentes tipos de vesículas não seja um fator que leve à diminuição das confirmações de casos. "Isso é o mais importante quando descrevemos novas variantes de uma doença; ter as informações para poder suspeitar e realizar o diagnóstico quando ele não necessariamente seria considerado", pontua.
Cuidados necessários com as lesões
Segundo a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), a varíola dos macacos é considerada leve, moderada ou grave de acordo com o número de lesões exibidas pelo paciente. Ainda que seja possível que elas não se alastrem por todo o corpo ou, então, que exista uma única ferida, os especialistas reforçam que isso não torna a manifestação da doença menos contagiosa. As formas de prevenção, que incluem evitar contato íntimo com pessoas contaminadas, reduzir atividade sexual com múltiplos parceiros e lavar as mãos antes de comer ou tocar o rosto, permanecem as mesmas.
O mesmo vale para a necessidade de isolamento de pessoas contaminadas e a forma de tratar as lesões em casa, já que os casos em que os pacientes precisam ser internados não são tão numerosos. A recomendação é manter as feridas sempre limpas com água e sabão, sem necessidade de fazer curativos e sem tocá-las com frequência. Se precisar ir ao médico, é preciso cobrir todas as lesões com as vestimentas ao sair de casa e, caso alguma secreção vaze pelo tecido, a peça de roupa é considerada contaminada.
Isolamento
O tempo de isolamento para os casos de varíola dos macacos pode variar de 14 dias a mais de um mês, e só pode ser interrompido quando a pele estiver totalmente recuperada — diferente, por exemplo, da catapora. "Enquanto houver ferimento, mesmo com crosta seca, o paciente ainda é considerado um potencial transmissor", reforça o dermatologista. O tempo que leva para o desaparecimento das feridas varia, a depender de fatores como a extensão coberta por elas, sua quantidade, seu tamanho e se estão na pele ou em tecido de mucosa.
A Secretaria Municipal da Saúde esclarece que todos os pacientes estão em monitoramento pelos órgãos de Vigilância Sanitária municipal e estadual e não apresentam sinais de agravamento. O atendimento para os casos suspeitos está disponível em toda a rede municipal de saúde, como Unidades Básicas de Saúde (UBSs), prontos-socorros e prontos atendimentos e, segundo a SMS, a rede conta com insumos para coleta de amostras das lesões cutâneas (secreção ou partes da ferida seca) para análise laboratorial.