Celulares com cada vez mais espaço e capacidade de processamento podem ser muito úteis, mas, para algumas mulheres, isso pode se tornar um pesadelo. Uma nova modalidade de perseguição, conhecida como stalkerware, viola a privacidade das vítimas com aplicativos espiões instalados em seus próprios smartphones.
Cerca de um quarto dos brasileiros são perseguidos de forma abusiva por meio de equipamentos tecnológicos, segundo um levantamento da empresa de cibersegurança Kaspersky. Desde grupo, 52% passam por um monitoramento das atividades digitais por meio do celular e/ou computador.
O stalkerware pode acontecer de diversas maneiras, que vão desde a clonagem de aplicativos como o WhatsApp até o rastreamento da localização em tempo real dos celulares.
"A pessoa que invadiu o aparelho tem acesso a tudo que a vítima faz, todos os movimentos, fotos, conversas, curtidas, dados bancários, caputras de tela, além de gravar áudio e vídeo", explica Tainá Junquilho, doutora em direito e pesquisadora no ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade).
Em alguns casos, o stalkerware ganha também o nome de "spouseware", perseguição encabeçada pelo próprio companheiro — como indica o termo "spouse", inglês para "cônjuge". Normalmente, são homens que, motivados por desconfiança e sentimento de posse, invadem o celular de suas parceiras para controlar seus movimentos.
No mesmo levantamento realizado pela Kaspersky, quando os participantes foram questionados se eram alvos de violência ou abuso por parte de seus parceiros, 32% das mulheres afirmaram que sim, contra 15% dos homens.
"A vítima fica na dúvida de como o agressor teve acesso a tantas informações de sua rotina", diz Juliana Cunha, diretora da Safernet Brasil, associação que atende diversas mulheres que passam por perseguições do tipo.
Combate ao stalkerware tem desafios
Tanto a perseguição persistente, também chamada de "stalking", quanto a invasão de aparelhos alheios são crimes previstos em lei. Adicionado ao Código Penal Brasileiro pela lei contra o stalking em abril de 2021, o artigo 147-A prevê nestes casos pena de multa e reclusão de até dois anos. Ele deu mais espaço para que mulheres perseguidas pudessem procurar autoridades para pedir ajuda.
"Antes, era só 'um ex dando problemas'. O fato de hoje ter um nome para isso é um avanço para as pessoas buscarem ajuda rapidamente", diz Cunha.
Mas isso não significa que a devida proteção às vítimas e a punição aos agressores não enfrente problemas. Por exemplo, muitos dos softwares usados no stalkerware estão disponíveis para download e são anunciados abertamente na internet.
O Google fez uma varredura em 2021 e removeu anúncios de aplicativos que são contra as suas políticas, mas cravar uma diretriz para os banimentos pode ser complicado. Há diversos programas legalizados que servem para pais acompanharem seus filhos, ou parentes acompanharem pessoas idosas, cujas funções se misturam com as usadas pelos stalkers.
"Isso causa uma confusão e pode interferir na aplicação da lei, tendo em vista a intenção de quem utiliza esse tipo de software", diz Patrícia Peck, advogada especialista em direito digital.
Uma melhor integração e capacitação de agentes policiais também é necessária. Enquanto delegacias especializadas em crimes cibernéticos focam em crimes financeiros, muitos policiais não sabem como orientar as vítimas, sobretudo mulheres que sofrem violência. "Esses casos envolvem certo conhecimento técnico para auxiliar na investigação" afirma Peck.
Sinais de alerta
As especialistas dão dicas para quem desconfia que possa estar sendo vítima de stalkerware. Alguns "sintomas" que celulares invadidos apresentam são:
- Aquecimentos repentinos;
- Bateria acabando rápido demais;
- Consumo de dados fora do comum;
- Alteração de configurações como navegador padrão e página inicial;
- Novos ícones na área de trabalho;
- Inundação repentina de pop-ups;
- Mensagens de erro.
"O que recomendamos é a pessoa sempre veriricar se o aparelho está com qualquer comportamento anormal", diz Cunha, da Safernet.
A especialista também recomenda que usuárias que pensem estar sendo vítimas do stalkerware não configurem seus aparelhos para fazer backup em serviços de nuvem. É que alguns programas espiões usam o login e a senha dos próprios servidores para serem instalados, sem precisar ter acesso físico ao aparelho.
Revisar quais aplicativos estão com permissão de acesso à câmera, microfone e localização, além de instalar softwares antivírus, também pode ajudar. Ainda assim, pode ser difícil encontrar a raiz do problema sem a ajuda de especialistas.
"Caso descubram que são vítimas dessa conduta ou mesma se desconfiam que tem algo errado, as vítimas podem procurar a polícia e relatar o caso, registrar um boletim de ocorrência e até mesmo enviar seu aparelho para uma perícia forense, que encontrará o aplicativo espião e constatará o delito cometido", diz Peck.