Ficar em casa vendo séries e bebendo vinho. Este tem sido o ideal de felicidade da gerontóloga Rachel Cardoso, de 47 anos, durante a pandemia. "Minha bolha está tão boa que não quero mais sair", afirmou. Mesmo com o avanço da vacinação e a retomada de uma certa normalidade, pessoas como Rachel demonstram pouco interesse em "sair da toca", deixar o home office, voltar aos bares e restaurantes e em ressocializar-se.
No início da crise sanitária, o sentimento de Rachel era diferente. "Procurei terapia. Eu estava meio surtada. É que sempre fui uma pessoa agitada. Pegava o carro e ia ver os amigos, ia aos bares...", contou. Apesar do choque inicial, ela foi se acostumando e gostando do novo normal. "É tão mais fácil viver em um ambiente de menos aglomeração, tão mais confortável. Retomar o ritmo e a vida de antes não é nada simples."
Rachel diz querer perder o medo de sair de casa e está dando pequenos passos nesta direção. Aos poucos, liberou algumas visitas em casa e reviu amigos e familiares. "Não dá para sair como se não houvesse amanhã. A variante Delta está aí. Vou fazer tudo aos poucos. Viver isolada tem sido bom e tranquilo, mas a gente precisa se expor", disse.
Algumas resoluções tomadas no contexto do isolamento social parecem ter se tornado permanentes. Ao menos é o que garante a empresária Helena Cidade, de 70 anos. "Não é ficar isolada, mas me relacionar de uma outra maneira com o mundo", explicou. Helena não quer mais saber de reuniões em salas fechadas, não quer mais salões de beleza apertados ou passeios aos shoppings.
"Só mantenho um escritório para evitar o bullying social. Mas minhas reuniões serão só em espaços abertos; cuido do meu negócio sem me expor. Além disso, não preciso mais me enfiar em shopping se as lojas podem me trazer o que preciso em casa", contou.
Sócia de dois restaurantes em São Paulo, Helena diz que estabelecimentos com áreas externas e tetos que se abrem serão o futuro do setor e que prédios grandes de escritório vão acabar transformados em apartamentos. "As pessoas estão notando que o mundo mudou. Essa nova maneira de se socializar não é se isolar. É estar na vanguarda."
A jornalista Anyelle Alves Oliveira, de 23 anos, também não quer abrir mão da tranquilidade proporcionada pelo isolamento. "Antes da pandemia, minha vida era muito corrida. Morava em Atibaia e trabalhava em São Paulo, perdia horas nesse trajeto", contou. Ao iniciar o home office, ela conseguiu tempo para momentos de cuidado próprio e ficar mais próxima da avó. "Não tenho saudade da minha vida de antes", sentenciou. "Mesmo quando a vida voltar ao normal, não quero abrir mão de fazer as coisas em casa, de passar mais tempo com a família. Sinto que uma vida menos agitada, com menos sociabilização pode ter mais qualidade e ser mais produtiva profissionalmente."
Para Natália Fonseca, psicóloga e professora da The School of Life, algumas pessoas que não querem se socializar novamente estão apenas aproveitando uma oportunidade. "São pessoas que já tinham alguma dificuldade de sociabilização. E, agora, viram uma oportunidade, uma justificativa para evitar a sociabilização", falou. "Em alguns casos, essa recusa pode estar ligada à depressão e à ansiedade. Não somos feitos para viver isolados. Sociabilizar é difícil e ainda tem o medo de pegar covid. Mas é preciso reaprender a se aproximar das pessoas. O importante é saber que temos de enfrentar essas dificuldades e não ficar na nossa zona de conforto."
A psicóloga fala em uma reentrada suave e controlada no mundo social. Sugere que primeiro as pessoas se reconectem com os amigos e conhecidos (mesmo por telefone) e que busquem relacionar-se com pessoas que tenham interesses em comum. A psicóloga Tina Zampieri também acredita que muitos vão precisar reaprender a se sociabilizar. "Existe um sentimento de medo. Por isso, algumas pessoas parecem reagir com certo exagero, com se existissem outros entraves, além da própria covid, para uma retomada", contou. "É preciso colocar os pés no chão, olhar para essas situações e iniciar uma retomada."
Para quem ainda está inseguro, a psicóloga também recomenda que os primeiros contatos sejam virtuais. "O primeiro passo pode ser marcar um café virtual. Depois, aos poucos, esse café pode se transformar em algo presencial, em uma atividade social", disse Tina.
Ao contrário de quem se acostumou com o isolamento social, também é possível encontrar quem esteja ansioso por uma retomada da rotina de encontros, aglomerações e shows presenciais. A vontade de "viver plenamente" do historiador e músico Vitor Bara, de 40 anos, é justificada.
No final de 2019, poucos meses antes da pandemia, Bara sofreu um grave acidente de carro durante uma viagem pela Patagônia argentina. "Quebrei duas vértebras, quase fiquei sem os movimentos de pernas e braços. Passei um mês no hospital e com mobilidade reduzida até o início de 2020", lembrou.
Quando a situação física melhorou e Bara já se sentia pronto para retomar sua rotina, chegou a pandemia da covid-19. "Tenho uma vontade represada de ver as coisas. Dentro de uma responsabilidade, as coisas precisam voltar. O mundo mudou, mas não pode ser um impeditivo para viver as coisas boas da vida."
No período, Bara escreveu um livro sobre sua experiência, A Primeira Vida em 50 Shows, no qual fala sobre o acidente na Patagônia e lembra dos 50 shows mais marcantes da sua vida. Além disso, já começou a fazer planos para uma retomada: programou uma viagem para a Itália e também está ansioso pela abertura de venda de ingressos para festivais como o Rock in Rio e Lollapalooza.
Além da vontade de se sociabilizar, a ansiedade de retomar o velho normal também invade quem está preocupado com a economia. Diretor de uma importadora de vinhos, Luca Mesiano diz que tem tomado os cuidados sanitários, mas que o mundo não pode mais ficar parado. "Ninguém me ajuda a pagar as contas. Precisamos voltar ao trabalho normal. A vida está aí para ser vivida."