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A especialista para quem milhares de pessoas no mundo perguntam se devem ou não ter filhos

Psicoterapeuta virou fenômeno da internet entre pessoas que buscam ajuda para tomar uma das decisões mais importantes de suas vidas.

3 jan 2025 - 13h32
(atualizado às 23h16)
Merle Bombardieri foi pioneira entre os psicoterapeutas que se especializaram em ajudar as pessoas na decisão sobre ter filhos
Merle Bombardieri foi pioneira entre os psicoterapeutas que se especializaram em ajudar as pessoas na decisão sobre ter filhos
Foto: Rocco Bombardieri / BBC News Brasil

Um dia, quando Merle Bombardieri ainda era estudante de psicologia, seu namorado a levou para jantar e perguntou se ela queria se casar com ele.

Ela se sentia a mulher mais sortuda do mundo. Aquele homem bonito, inteligente e engraçado queria passar o resto da vida com ela. Mas ela disse não.

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Ela sabia o quanto ter filhos era importante para ele, que vinha de uma grande família italiana em que as crianças são as estrelas em todas as reuniões familiares. E ela... bem, ela não estava pronta para tomar essa decisão.

"Eu tinha acabado de passar o verão inteiro trabalhando em um acampamento para meninas de 12 anos muito mimadas e briguentas, e a minha parte favorita do dia era quando elas iam dormir e eu podia ter paz e sossego", disse Bombardieri à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

O "não" de Merle ao pedido de casamento durou um ano e meio. Nesse tempo, ela conversou com mulheres que tiveram muito sucesso na carreira e que, além disso, eram mães e gostavam da maternidade.

Foi então que ela viu exemplos para contrastar com as ideias que havia construído inconscientemente sobre a maternidade.

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"Minha ideia de ser mãe naquela época era a de que eu não conseguiria realizar meus próprios sonhos além do sonho de ter uma família", diz.

Ele cresceu testemunhando o amor de sua mãe pela família, mas também a frustração que ela sentia por não ter tido uma carreira.

Este processo de decifrar as suas próprias ideias e emoções sobre ser mãe não só a levou a finalmente decidir ser mãe, como também lhe permitiu encontrar aquela que é, até hoje — 45 anos depois — a sua paixão: ajudar as pessoas a decidirem se querem ou não ter filhos.

Em 1981, Bombardieri, psicoterapeuta e assistente social clínica, publicou The Baby Decision: How to Make the Most Important Choice of Your Life ("A decisão sobre o bebê: como fazer a escolha mais importante da sua vida", em tradução livre), um livro que apresenta um método de cinco etapas para se tomar essa decisão.

O livro passou desapercebido por muitos anos. Em 2016, contudo, relatos de leitores começaram a se espalhar pela internet após a publicação de uma versão atualizada da obra.

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Desde então, Bombardieri se tornou uma espécie de guru do assunto nos Estados Unidos, consultada por milhares de pessoas que buscam sua orientação em grupos do Facebook e do Reddit.

Merle Bombardieri participa frequentemente de uma comunidade do Reddit chamada Fencesitter e de um grupo do Facebook chamado The Decision Cafe
Foto: Sharona Jacobs / BBC News Brasil

A novidade do seu método é que ele está centrado na compreensão das pessoas sobre as suas ideias e emoções, por vezes ocultas, sobre a maternidade e a paternidade. E também fornece ferramentas práticas para a tomada de decisão.

Aos 75 anos, Bombardieri continua atendendo (o valor das consultas varia entre US$ 200 e US$ 300 por sessão — ou R$ 1.230 a R$ 1.840). Mas ela tem se concentrado em alcançar o maior número possível de pessoas falando em redes sociais, podcasts e na mídia. E está preparando seu segundo livro para 2026.

Bombardieri conversou com a BBC News Mundo sobre sua obra.

BBC: Todo mundo sabe que ter um filho é uma grande decisão, mas nem todo mundo passou 45 anos pensando nisso. Para você, o que faz desta a decisão mais importante da vida, como diz o subtítulo do seu livro?

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Merle Bombardieri: Algo que adoro nesta decisão é que não se trata apenas de ter ou não ter um filho, mas de tudo o que ainda não aconteceu nas nossas vidas e que queremos que aconteça entre agora e a nossa morte. Isso nos faz pensar sobre o que realmente importa para nós.

Quando faço a pergunta desta forma, muitas vezes encontro respostas como "às vezes, quando eu estou deprimido, gostaria de estar numa aula de dança" ou "gostaria de criar uma fundação contra a fome no mundo".

Essa visão do futuro pode ou não incluir ter um filho, mas é importante reconhecer e colocar todas as outras coisas diante de si. Há muito para se descobrir assim.

Outro fator que torna essa decisão crucial é que os relacionamentos mudam muito quando você abre espaço para um filho. É importante que as pessoas vejam o que está acontecendo em seu casamento e como isso pode mudar com um filho.

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Quando os casais estão muito apaixonados, se comunicam bem e se sentem seguros um com o outro, geralmente conseguem acrescentar um filho às suas vidas.

Mas se um relacionamento não for bom, um bebê não vai consertar isso, e vai tornar as coisas ainda mais difíceis.

Por exemplo, se alguém não tem certeza de que seu parceiro o ama o suficiente, pode ficar com ciúmes do bebê ou não ser capaz de tolerar momentos em que ambos tenham que cuidar de uma criança doente em vez de ir ao cinema.

Tomar esta decisão, que às vezes pode ser tão tortuosa, é uma oportunidade de ouro para as pessoas crescerem individualmente e como casal.

As pessoas que me consultam costumam acreditar que já sabem tudo sobre seus parceiros porque estão casados há anos, e acabam descobrindo no processo muitas coisas que não sabiam sobre como eram quando crianças, que ideias tinham sobre serem pais ou mesmo por que se apaixonaram.

Para Bombardieri, a decisão de ter filhos é uma oportunidade perfeita para crescer individualmente e como casal
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

BBC: O seu método vai além de explorar os prós e os contras. Em vez disso, trata-se de ajudar as pessoas a explorar as suas próprias ideias sobre a paternidade e maternidade, os seus medos e os seus desejos. O que acontece quando a decisão é abordada desta outra forma?

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Bombardieri: Quando as pessoas fazem listas de prós e contras, a única coisa que faz sentido é não ter filhos.

Eu me lembro de quando comecei a escrever meu livro, li um artigo em uma revista que dizia algo como: "Você prefere passar duas semanas na praia do Caribe ou trocar fraldas no meio da noite?" Obviamente essas perguntas não são muito úteis.

As pessoas podem fazer listas e ver quais são os prós e os contras, mas ainda assim não saber como realmente se sentem.

Um dos exercícios que eu faço e que tem ajudado muitas pessoas é o diálogo na cadeira.

O exercício consiste em você sentar em uma cadeira e dizer: "Definitivamente vou ter um filho". E então você se senta em outra cadeira e diz: "Você está louco? Como pode abrir mão da sua liberdade? O que vai acontecer com sua carreira? Além disso, você odeia bebês gritando e é sensível ao barulho".

E em seguida você muda de cadeira novamente e apresenta seus argumentos opostos.

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O que acontece é realmente interessante. As pessoas pensam que o diálogo é "50-50", mas logo descobrem que uma das duas vozes é mais forte.

Literalmente, sua voz fica mais alta e clara em uma das cadeiras. Sua postura é mais ereta e você se sente mais no seu elemento - mais autêntico.

Apenas olhando as listas de prós e contras você não entrará em contato com esses tipos de reações físicas, fantasias e memórias.

Outro exercício muito útil é manter um diário no qual você escreve com uma cor os seus sentimentos positivos em relação à parentalidade e com outra cor seus sentimentos positivos relacionados a não ter filhos.

Por exemplo, se você visitar amigos que têm um recém-nascido que não para de gritar e não deixa ninguém dormir, escreva isso em vermelho. Se você então vai na casa do seu melhor amigo que tem um filho de 10 e um de 12 anos e se diverte jogando futebol e fazendo piquenique, você escreve isso em azul.

O fascinante é que depois de algumas semanas uma cor começa a predominar. Às vezes você pode ver a resposta mesmo sem ler tudo o que foi escrito.

Bombardieri explica que tomar decisão sobre ter filhos exige conexão com reações físicas, fantasias e memórias
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

BBC: A infância costuma influenciar se alguém quer ser pai ou não?

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Bombardieri: Ela influencia as ideias que se tem sobre ser pai.

Uma das coisas que fiz e que acho que fez a diferença para algumas pessoas foi ajudá-las a entrar em contato com suas memórias.

Talvez você tenha tido que cheirar o cocô do seu irmãozinho quando era pequeno e ajudou a trocar a fralda dele, e isso te deixou com muito nojo. Talvez você não pense nisso há anos, mas, tendo essa memória, você pode dizer: "ah, talvez seja por isso que fico tão enojado com crianças".

Principalmente os que tiveram uma infância muito infeliz tendem a pensar "eu não gostaria de impor isso aos meus filhos".

Mas, em alguns casos, à medida que curam seus traumas de infância - talvez através de terapia ou com a ajuda de amigos carinhosos ou de um conselheiro espiritual -, eles passam a imaginar a maternidade ou a paternidade de forma diferente.

Outras pessoas vivem uma infância feliz e querem replicar isso. Por exemplo, eu adorava fazer piqueniques no quintal com os meus irmãos e pais e eu queria fazer o mesmo com as minhas filhas.

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Mas também há muitas pessoas que tiveram uma ótima infância e decidem não ter filhos, talvez porque tenham padrões muito elevados sobre o que significa ser um bom pai e sintam que não poderiam alcançar isso, ou talvez porque existem outras coisas importantes em suas vidas que merecem toda a sua atenção.

BBC: Uma das razões pelas quais tantos casais a consultam ou leem seu livro é porque não conseguem chegar a um acordo. Você diz que a solução nesses casos não é necessariamente terminar o relacionamento.

Bombardieri: Você não pode ser pai nos anos pares e não ter filhos nos anos ímpares. Então, é claro, há momentos em que os casais decidem terminar o relacionamento, porque realmente não conseguem encontrar uma solução que lhes permita continuar juntos.

Mas há muitas outras ocasiões em que os casais acreditam que isso tem que acabar e não acaba.

Muitas pessoas podem preferir a opção oposta ao parceiro, mas se olharem atentamente para as possibilidades, poderão encontrar maneiras de gostar ou não de ter um filho.

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Digamos que uma mulher queira ter três filhos e o seu marido não queira ter nenhum, mas talvez ele também sinta que perderia alguns dos prazeres da vida por não ser pai.

Talvez eles possam considerar ter apenas um filho e esperar mais quatro ou cinco anos para fazê-lo, se ele achar que precisa desses anos para sua carreira ou para que possam viajar mais juntos. Muitas vezes podem ser encontradas soluções que não são óbvias.

Muitas vezes também existe um grande desconhecimento sobre a opção de ser uma família sem filhos. Existe uma suposição básica de que todo mundo tem filhos e, se não tiver, você é uma aberração ou está perdendo a melhor experiência da vida.

Mas há muitas experiências de vida excelentes e nem todas têm a ver com crianças.

Para a autora, qualquer uma das duas opções – ter filhos ou não – pode provocar arrependimento
Foto: BBC News Brasil

BBC: Quanto pesa essa pressão social sobre quem toma a decisão?

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Bombardieri: Isso varia de casal para casal e também varia de cultura para cultura.

Por exemplo, na cultura latino-americana, os pais têm um desejo profundamente enraizado de que os seus filhos tenham filhos e assumem que isso vai acontecer.

Acho que cada vez mais os pais entendem de forma abstrata as razões pelas quais seus filhos não querem ter filhos, mas a maioria ainda gostaria de ter netos.

Além disso, durante todos os anos em que criaram os filhos, eles presumiram que teriam netos, então terão uma grande decepção.

Claro que hoje há mais aceitação social à ideia de não se ter filhos do que no final dos anos 70, quando comecei a trabalhar nisso.

Mas ainda existem muitas ideias negativas sobre as pessoas que decidem não ter filhos e muita pressão.

BBC: Ter filhos é uma decisão que está ligada à economia, aos direitos reprodutivos e ao meio ambiente. Você acha que vivemos em uma época em que as pessoas podem tomar livremente a decisão de ter filhos?

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Bombardieri: É uma pergunta muito boa. Acho que estamos vivendo um momento muito difícil em que temos preocupações que as gerações passadas não tiveram que enfrentar... Quando tiver 14, 17 ou 19 anos, nosso filho vai ter ar suficiente? Comida suficiente?

E depois há a questão financeira. Devido a todos os problemas econômicos que ocorrem há muitos anos no mundo, muitas pessoas que gostariam de ter um filho não o têm.

Ou enfrentam um terrível estresse financeiro para ter apenas um, quando gostariam de ter dois ou três. O custo de criar os filhos aumentou muito.

Essas circunstâncias estão tornando a decisão muito mais difícil.

BBC: Quanto mudou o tipo de pessoa que procura você para orientar seu processo de tomada de decisão? Que mudanças você observou?

Bombardieri: Vejo cada vez mais pessoas solteiras, gays, pessoas trans, pessoas solteiras e casais heterossexuais que têm apenas um filho e decidem não ter mais.

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Em geral, tenho visto mais aceitação e compreensão de que existem muitas maneiras de constituir família.

Bombardieri reconhece que o fator financeiro tem cada vez mais pesado na decisão de se ter ou não filhos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

BBC: No livro, você fala de um contraste entre as pessoas que tomam ativamente uma decisão e aquelas que deixam as coisas acontecerem - talvez deixando a porta entreaberta para uma gravidez acidental ou adiando a decisão até que não haja mais uma decisão a ser tomada. Você pode falar um pouco sobre o que acontece em cada um desses casos?

Bombardieri: Eu encorajo as pessoas a tomarem uma decisão ativa. Tantas coisas difíceis acontecem na vida, mesmo quando você toma a decisão certa, que é muito fácil se sentir vítima e dizer "ah, isso acabou de acontecer comigo, coitado de mim".

Pessoas que tomam conscientemente a decisão de ter um filho, quando há um problema ou algo não vai bem, sentem que estão no controle de suas vidas e tendem a ser proativas.

Por exemplo, às vezes as pessoas decidem ter um filho e acabam por ter problemas de infertilidade ou o bebê nasce prematuro e não pode ir para casa durante dois meses.

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Se tomarem uma decisão ativa, em vez de sentirem "ah, coisas estão acontecendo conosco", provavelmente pensarão "isso faz parte do nosso plano, podemos lidar com isso e seguiremos em frente".

Há também pessoas que nunca decidem que não vão ter um filho, mas simplesmente deixam o tempo passar. O problema disso é a perda de tempo.

Tem gente que me diz: "Se eu tivesse tomado a decisão de não ter filhos há sete anos, talvez já tivesse feito o doutorado e estaria lecionando na universidade ou fazendo pesquisas em laboratório".

O problema de não decidir é que você nunca sofre conscientemente por não ser pai. Portanto, você não é tão capaz de criar consciente e intencionalmente a vida que pode pagar, não tendo que gastar seu tempo e dinheiro para ter um filho.

É por isso que acho tão importante tomar uma decisão ativa.

BBC: Você diz que alguém vai se arrepender, quer tenha filhos ou não. Como você pode fazer as pazes com esse arrependimento?

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Bombardieri: Ser ambivalente é da natureza humana. Quando você vai a uma nova sorveteria e pede um sorvete de nozes, e depois vê que outra pessoa pediu sabor manga, você quer o sabor da outra pessoa.

É da natureza humana nos perguntarmos que outra opção poderíamos ter tomado. É por isso que digo para não se perguntar se você se arrependerá de sua decisão. Pergunte a si mesmo de qual decisão você menos se arrependerá.

Se você espera arrependimento, é mais provável que saiba como falar consigo mesmo e com seu parceiro quando esse arrependimento vier, acompanhado de senso de humor e perspectiva.

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