"Ele era tímido. Também era engraçado. Ele também era muito doce".
Anika Kotecha descreve o Michael Jackson que ela conheceu. Aquele que ela visitou em Neverland - o rancho do cantor, morto em 2009, onde tentou recriar o fantasioso mundo da Terra do Nunca (do clássico da literatura infantojuvenil Peter Pan).
Os dois se falavam com certa frequência - por exemplo, quando ela contava coisas banais que deslumbravam o artista.
"Ele dizia: 'Você foi ao supermercado? Uau, como foi isso?'".
"No meu caso, eu só tinha ido comprar um pouco de pão e leite, mas para ele isto era algo incrível - porque era algo que ele não podia fazer."
"É muito triste também. Mas ele era apenas o cara mais legal do mundo", elogia Kotecha.
A mulher diz que, por ter conhecido pessoalmente o "Rei do Pop", torna difícil acreditar nos rumores e acusações de abuso infantil que o perseguiram na vida e na morte.
"Você acaba comparando (as acusações) com a pessoa que você conhecia. Eu me sinto mais forte em minhas convicções por causa disso."
Kotecha conversou com a BBC após o lançamento de Leaving Neverland - um documentário do Channel 4 e da HBO que mostra, durante quatro horas, acusações com detalhes gráficos contra Jackson.
O documentário se concentra nos depoimentos de dois homens, Wade Robson e James Safechuck, ambos na faixa dos 30 anos, que alegam terem sido vítimas de abuso sexual cometido pelo artista por anos.
A família Jackson já abriu fogo contra o filme, chamando-o de uma forma de "linchamento público" e uma "traição final". Eles não são os únicos a contestar as alegações.
Os fãs espalharam hashtags como #MJInnocent ("#MJInocente") nos vídeos relacionados ao documentário no YouTube, nas redes sociais e em sites especialmente construídos para defender o cantor.
Eles também protestaram do lado de fora da sede do Channel 4; e até compraram anúncios em ônibus de Londres, que traziam o slogan: "Os fatos não mentem, as pessoas sim".
Dan Reed, que dirigiu Leaving Neverland, disse à BBC que ele e outras pessoas que acusaram Jackson também foram alvo de ataques dos fãs do cantor.
"Coisas horríveis sobre mim têm sido ditas online e recebemos muitos e-mails também", disse, alguns dias antes do documentário ser transmitido.
"Estou surpreso que as pessoas se sintam no direito de fazer isso quando não viram o filme e não sabem nada sobre mim e menos ainda sobre Michael Jackson."
Mas, diferente do que diz Reed, entre os fãs por trás da campanha de defesa de Jackson estão advogados e jornalistas - fortemente familiarizados com a história de Michael Jackson e as alegações contra ele.
"Apresentamos declarações em juízo, documentos de investigações, inclusive do FBI (a polícia federal americana), e declarações anteriores que claramente entram em choque com as acusações e informações apresentadas no documentário", diz Tiffany, uma fã que se identifica na internet com o apelido @RideTheBoogie.
"Sentimos muito fortemente que precisávamos ser a voz de Michael", diz Kotecha, que, como administradora do site MJInnocent.com, ajudou a organizar a campanha nos ônibus.
"Porque, ironicamente, para alguém cuja carreira inteira foi baseada em sua voz, ele não tem mais voz."
O movimento para limpar o nome de Jackson existe desde que ele foi acusado pela primeira vez de abuso sexual, em 1993 - o caso mais tarde foi resolvido com um acordo extrajudicial, com pagamento de US$ 23 milhões em valores da época -, mas se tornou cada vez mais presente desde que Leaving Neverland foi anunciado em janeiro.
Estes defensores questionam a credibilidade de Robson e Safechuck, que anteriormente já haviam testemunhado que Jackson nunca abusou deles. Agora, eles dizem que deram o testemunho porque foram pressionados a apoiar o cantor.
Fãs do "Rei do Pop" argumentam que Robson mudou sua história depois de ser recusado para um papel em uma produção do Cirque Du Soleil que homenageava o artista; e que ele tentou vender um livro detalhando o abuso um ano antes de levar seu caso aos tribunais.
Eles também apontam que Robson e Safechuck não tiveram sucesso em suas tentativas de acessar, na Justiça, os bens de Jackson - embora os casos de ambos estejam na fase de apelação.
'Nenhum fragmento de evidência'
"Se as alegações fossem verdadeiras, seria uma atrocidade", diz Damien Shields, um fã australiano que escreveu um livro sobre a obra musical de Jackson.
"São alegações muito sérias, de crimes hediondos contra crianças inocentes. Eles (Robson e Safechuck) devem ter permissão para levantar a voz e dizer o que querem - mas também, se você faz isso, precisa estar preparado para ser contestado."
"E, realmente, não há nada que seja convincente quando você olha para o quadro todo, de forma a dizer: 'sem dúvida, eu acredito nessas pessoas'".
Os fãs também se ressentem de que Leaving Neverland não oferece direito de resposta a Jackson ou sua família.
Reed argumenta que o filme apresenta imagens de Michael negando as acusações; mas, para Shields, estes fragmentos são irrelevantes.
"Durante sua vida, Wade Robson e James Safechuck apoiaram Michael Jackson. Por isso, me confunde que [Dan Reed] diga que incluiu imagens das refutações de Michael, quando na verdade Michael nunca tenha tido a chance de responder a acusações específicas que preenchem o filme por quatro horas."
Os fãs destacam ainda a absolvição de Jackson das acusações de abuso infantil em 2005; e relatórios do FBI, das investigações em 1993-4 e 2004-5, que não encontraram evidências de delitos criminais.
"Nenhum fragmento de evidência", afirma Kotecha. "Você teria que ser algum tipo de super-humano para esconder até mesmo a menor coisa do FBI."
"Ele ficou sob investigação do FBI por 10 anos, duas batidas foram realizadas em sua casa, estava sob julgamento público", concorda Matt Blank, porta-voz do fã-clube Michael Jackson World Network.
"Tudo isso não trouxe qualquer evidência de abusos. Então, você tem que se perguntar: 'Com todo esse escrutínio, por que de repente acreditamos nessas duas pessoas... que se levantaram e foram direto em direção ao pote de ouro?"
E a própria admissão de Jackson de que ele compartilhava sua cama com crianças? Isso não é motivo para preocupação?
"Tenho um ponto de vista [de que] Michael viveu uma vida muito diferente do que poderíamos imaginar", disse Blank à BBC Radio Five. "Acho que, assim como o mundo o entendeu mal, ele provavelmente entendeu mal o mundo também."
"Há uma grande diferença entre o que consideramos um comportamento estranho [e] cometer um crime. Você não deve misturar as duas coisas, porque esse é um território perigoso."
Apesar de suas dúvidas, Blank diz que os acusadores de Jackson "parecem muito convincentes" em Leaving Neverland.
Kotecha diz que ela também foi ver o documentário com uma "cabeça aberta".
"Estou interessada no que eles têm a dizer", diz ela, "porque se eles puderem desafiar minhas crenças, então vou investigar isso mais adiante".
Uma defesa que cobra um preço
Tiffany, ela mesma uma sobrevivente de abuso sexual, salienta que sua defesa de Jackson não é mera idolatria.
"O fato de eu ter sido abusada me ajuda a entender melhor as pessoas que são inocentemente acusadas, assim como as mentes daqueles que estão do lado ruim", diz ela.
"É muito mais fácil para as pessoas acreditarem em acusações contra um homem que elas não entendem ou conhecem. E, ei, é muito mais emocionante ler e espalhar fofocas do que dissipar mitos, não é?"
"Falta nessa equação o senso comum e a revisão de documentos judiciais que contestam as acusações."
No entanto, defender Jackson tem sido uma tarefa difícil e, às vezes, solitária.
"É cansativo e me afeta", diz Shields. "Não posso falar por todos, mas definitivamente é algo que está me cobrando um preço".
E como isso muda o relacionamento dos fãs com a música de Jackson?
"Tenho que ser honesto, é prejudicial", diz Shields. "Está colocando um freio na pura felicidade, magia e escapismo que a arte deve nos fornecer."
Tiffany discorda.
"Como fãs, estamos acostumados com a cadência de histórias negativas. Cada onda passageira me leva de volta ao que eu realmente acredito."
"Vou tocar a música dele em toda oportunidade que eu tiver, tão alto quanto o meu som permitir. Continuarei lutando por o que eu acredito que é verdade."
"É o mínimo que posso fazer por um homem que significa muito para mim."
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