Gabriel García Marquez acreditava que até o mais breve encontro é capaz de nos transformar. Inclusive, um dos temas abordados por ele durante sua vida foi justamente o amor à primeira vista. "O amor é o assunto mais importante da humanidade. Alguns dizem que é morte. Eu não acho, porque tudo é conectado pelo amor", afirmou certa vez. Sobre suas paixões, o autor, porém, gostava de permanecer em silêncio, sempre muito discreto. Ao seu biógrafo, Gerald Martin, disse: "todo mundo tem três vidas. A pública, a privada e a secreta". Se sua vida secreta estava descrita em algum lugar, certamente eram em seus livros.
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Assim, uma história do livro Doze Contos Peregrinos merece uma reflexão maior. Segundo a revista Newsweek, o conto O Avião da Bela Adormecida é sobre um encontro com uma mulher que será elevada ao posto de sua musa. "Era ela, elástica, com uma pele suave da cor do pão e olhos de amêndoas verdes, e tinha o cabelo liso e negro e longo até as costas, e uma aura de antiguidade que tanto podia ser da Indonésia como dos Andes. Estava vestida com um gosto sutil: jaqueta de lince, blusa de seda natural com flores muito tênues, calças de linho cru, e uns sapatos rasos da cor das buganvílias. 'Esta é a mulher mais bela que vi na vida', pensei, quando a vi passar com seus sigilosos passos de leoa, enquanto eu fazia fila para abordar o avião para Nova York no aeroporto Charles de Gaulle de Paris", escreveu.
Recentemente, a mulher descrita por García Marquez, que mora em Londres, entrou em contato com o jornalista Nicholas Shakespeare, um apaixonado pela obra do autor. Ela queria falar sobre um dia que passou ao lado do autor colombiano, em 1990, no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. A experiência, ela acreditava, ter inspirado a história parte do livro Doze Contos Peregrinos. No outono de 90, Márquez, com 63 anos na época, estava de volta a Paris, após um longo período de ausência. Ele vinha trabalhando desde 1976 em uma coletânea de histórias que se passavam na Europa, sobre coisas estranhas que aconteciam com latino-americanos por lá.
A musa e o jornalista se encontraram em um café em Notting Hill. Silvana de Faria, 50 anos e já avó, mora em Londres e trouxe uma grande quantidade de fotos em que aparece em revistas francesas, para comprovar a beleza de outrora. "Naquela época, eu era atriz. Eu sou a rainha das gafes e uma delas foi com ele", contou.
O encontro
Silvana estava vivendo próximo de Paris com Gilles Béhat, um diretor de cinema francês, com quem tinha uma filha de sete anos. Béhat sabia que sua mulher estava tão infeliz que pagou para que os sogros viesse de Belém, no Pará, para visitá-la na Europa. Às 9h, ela chegou ao aeroporto para recebê-los.
"Eu estava muito magra e preocupada como estava vestida. Minha mãe sempre me criticava por parecer 'provocante' demais. Eu usava uma jaqueta, uma blusa Kenzo florida, calças de linho e sapatos Kenzo vermelhos", relembrou. "Corri e fui até o balcão da Air France, para perguntar sobre o voo", disse. Assim como na história, o avião estava atrasado devido ao mau tempo. "Notei que o aeroporto estava cheio. Muitos dormindo no chão. Não havia lugar vago, apenas um. Sentei", continuou. Só então ela notou um homem elegante, por volta dos 60 anos, sentado ao seu lado.
"Ele disse: 'bonjour'. Tinha um sorriso lindo. Sou obcecada por dentes. A primeira coisa que eu olhei foi isso. Eram brancos e perfeitos", contou. Silvana respondeu a saudação e García Márquez olhou para ela, questionando se ela iria viajar. A brasileira logo explicou que estava esperando por seus pais. O escritor perguntou de onde ela era.
"Acre, no Brasil", respondeu. "Isso é perto dos Andes?", rebateu. "Não, é na região da Amazônia", corrigiu. García Marquéz ficou tocado por conhecer uma latino-americana em Paris, nascida na Floresta Amazônica. "'Quando você nasce na selva, pode sobreviver em qualquer lugar. Viver em uma grande cidade é apenas uma diferente forma de viver na selva, eu disse a ele".
Durante a conversa, Silvana contou que era viciada em remédios, após ter sofrido um acidente de carro, sobre a paixão pelo marido e o quanto acreditava em amor à primeira vista. O escritor ouviu tudo pacientemente, fazendo pequenas intervenções para obter mais informações. Durante o papo, ela, ainda sem saber o nome de seu mais novo amigo, contou que viu um filme de Ruy Guerra, adaptado de uma obra de Gabriel García Márquez, e que era praticipamente impossível transformar um livro do escritor em um longa-metragem.
Durante a conversa, Silvana contou que era viciada em remédios, após ter sofrido um acidente de carro, sobre a paixão pelo marido e o quanto acreditava em amor à primeira vista. O escritor ouviu tudo pacientemente, fazendo pequenas intervenções para obter mais informações. Durante o papo, ela, ainda sem saber o nome de seu mais novo amigo, contou que viu um filme de Ruy Guerra, adaptado de uma obra de Gabriel García Márquez, e que era praticipamente impossível transformar um livro do escritor em um longa-metragem.
"Depois de duas horas de conversa, era como se fossemos amigos de infância. Misturávamos português, francês e espanhol. Conversamos, brincamos e rimos. Eu não o via como um homem mais velho. Eu fiquei em choque quando li o conto mais tarde e reconheci nossa conversa", disse. "Contei que eu era Leão com ascendente em Touro. Por isso, era forte o suficiente para viver em Paris. Ele disse que gostaria de ser Touro algumas vezes. E colocou até isso na história. Ele era de Peixes e eu afirmei que piscianos estavam sempre sonhando e nadando. Ainda fiz um "peixinho" com a boca. Ele riu", lembrou.
Silva só percebeu de quem se tratava muito depois, quando falavam de profissões. "Conheço você. Você é Gabriel García Márquez. Minha mãe me deu O Amor Nos Tempos de Cólera. Era a você na foto. Por que você não me disse?", questionou a jovem. "Como estava foto", rebateu o escritor. "Me senti envergonhada, triste e traída. Era por isso que ele não queria falar sobre sua vida. Ele não contou quem era, nem quando eu falei de Ruy Guerra. Fiquei confusa e queria ir embora", disse Silvana ao jornalista, anos mais tarde.
Os pais de Silvana de Faria chegaram e ela precisou ir. García Márquez pediu a agenda da jovem e escreveu: "para você, sou Gabo. Aqui está meu endereço, telefone e fax".