Os últimos dias de Maria Callas, retratados no filme estrelado por Angelina Jolie

O filme, dirigido pelo chileno Pablo Larraín, narra os últimos dias da diva da ópera Maria Callas. Mas Callas no filme 'é mais um ícone do que um ser humano', segundo crítico da BBC.

11 jan 2025 - 17h47
O drama de Pablo Larraín traz a história da diva da ópera Maria Callas, interpretada por Angelina Jolie
O drama de Pablo Larraín traz a história da diva da ópera Maria Callas, interpretada por Angelina Jolie
Foto: Netflix / BBC News Brasil

O diretor de cinema Pablo Larraín parece ter fixação pelas mulheres mais ricas e glamourosas do século 20.

Os dramas baseados na vida real do diretor chileno incluem Jackie (2016), estrelando Natalie Portman como Jacqueline Kennedy Onassis (1929-1994), e Spencer (2021), com Kristen Stewart no papel de Diana, Princesa de Gales (1961-1997).

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Em 2024, ele completou a trilogia com o filme Maria (Maria Callas, no Brasil). O longa traz Angelina Jolie interpretando uma das mais famosas sopranos da história da ópera, Maria Callas (1923-1977).

Existe um detalhe em comum entre os filmes Jackie e Maria: o longo relacionamento entre as duas protagonistas e o magnata grego Aristóteles Onassis (1906-1975). Mas, infelizmente, Natalie Portman não faz uma aparição surpresa em Maria, interpretando Jackie O.

E a diferença entre os três filmes de Larraín que, enquanto Jackie e Spencer tinham bem definido o que contar sobre suas heroínas, Maria desenrola sua trama sem determinar muito bem sua mensagem.

Com roteiro de Steven Knight (o mesmo roteirista de Spencer), o filme começa em Paris, no ano de 1977. O corpo de Callas é removido do seu suntuoso apartamento, o que não é o ponto mais original para iniciar um filme biográfico. A narrativa então retorna em uma semana e nos leva para os dias finais da personagem.

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Callas já havia deixado de se apresentar há muito tempo e passa o tempo sob o olhar atento do seu mordomo (Pierfrancesco Favino) e da governanta (Alba Rohrwacher). Ambos são muito dedicados a ela, apesar da insistência da cantora em mover seu piano de cauda todos os dias, de um cômodo para outro.

Callas uniu a chamada alta cultura com a cultura pop, sem comprometer seu repertório
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O mordomo é, de longe, o personagem mais tocante do filme. Ele está convencido de que Callas deve procurar um médico para falar de todos os remédios que ela está tomando. Mas a artista tem outros planos.

Callas vai a uma casa de ópera para ver se sua debilitada voz pode ser trazida de volta aos seus tempos de glória. No filme, a voz de Jolie é mixada com gravações originais de Callas.

A cantora tem então uma profunda entrevista programada com uma equipe de televisão. "Essa equipe de televisão é real?", pergunta o mordomo. A resposta é não.

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Os membros da equipe são alucinações e Callas sabe disso. Mas ela conversa com suas "visões" sem nenhuma restrição.

A diva passeia por Paris falando com um entrevistador inexistente (Kodi Smit-McPhee). Callas o chama de Mandrax, o nome de um dos comprimidos que ela toma.

A Callas interpretada por Jolie, viciada em drogas e doente terminal, nunca deixa de ser magnífica
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A entrevista imaginada é um pretexto arquitetado para que Larraín possa reconstruir episódios do passado de Callas, alguns deles filmados em proporções de tela diferentes e em preto e branco.

Podemos, assim, ver Maria Callas cantando para oficiais nazistas quando era adolescente na Grécia, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). E também observamos a artista roubando a cena ao substituir outra cantora no último minuto em Veneza, em 1949.

Esta sequência relembra a grande oportunidade de Leonard Bernstein (1918-1990) no filme Maestro (2023), de Bradley Cooper. Mas, ao contrário de Cooper, Larraín teve o bom senso de não oferecer um nariz falso à sua estrela.

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Romance com Onassis

A principal preocupação do filme, no entanto, é o romance entre Callas e Onassis (Haluk Bilginer). O relacionamento começa em um coquetel em 1957, quando o magnata da navegação anuncia, a poucos metros de distância do marido dela, que os dois estavam destinados a ficar juntos.

Nos dias que antecedem a sua morte, Callas conta aos seus empregados que o fantasma de Onassis ainda a visita todas as noites. Talvez ela tenha ficado obcecada por ele até o fim.

Maria Callas e Aristóteles Onassis se conheceram em setembro de 1957 durante um baile de máscaras realizado no Hotel Danieli, em Veneza
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mas Maria Callas foi reconhecida pelo seu próprio talento em vida. Por isso, parece um insulto dedicar mais atenção ao seu namorado do que às suas imensas conquistas e conflitos tempestuosos. As cenas com Maria e Ari estão mais próximas de serem novelescas do que de elementos de ópera.

Isso não significa que não sejam cenas envolventes. Knight escreveu incontáveis linhas de um diálogo memorável e espirituosamente perspicaz - muito longe de ser uma simples oportunidade para mostrar um belo ator bem vestido, em locais bonitos de Paris.

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Mas Maria não tem senso de urgência. Todos nós sabemos, desde a cena de abertura, que a semana da soprano não irá terminar com um retorno milagroso. Por isso, seus devaneios físicos e mentais não trazem nenhuma tensão ou entusiasmo.

O filme também é carregado de admiração e reverência, para gerar empatia pela sua heroína supostamente frágil.

De forma nada comum para alguém dependente de drogas e doente terminal, a Callas de Jolie está sempre magnífica, sempre soberba e digna, confiante e imperturbável, soltando gracejos para quem quer que cruze seu caminho.

O filme dirigido por Larraín – retratado aqui com Angelina Jolie – estreia nos cinemas do Brasil em 16 de janeiro
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"O que você tomou?", pergunta o mordomo, quando a patroa visita seu armário repleto de remédios. "Tomei liberdades a vida inteira", responde ela, "e o mundo tomou liberdades comigo."

O diálogo improvável sugere que Callas é mais do que um ser humano - é um ícone.

Larraín e sua equipe se recusam a fazer a heroína descer do seu pedestal. Por isso, eles não atribuem a ela nenhuma vulnerabilidade, nem a divertida vivacidade da Maria Callas real que pisca o olho e ri em frente à câmera, durante trechos de filmagens antigas nos créditos finais.

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Ao longo de todo o filme, diversas pessoas traçam a distinção entre "Maria", a mulher, e "La Callas", a diva sobre-humana.

E, apesar do título original, Maria certamente é um filme sobre "La Callas".

Ficha técnica

Maria (no Brasil, Maria Callas)

Diretor: Pablo Larraín.

Elenco: Angelina Jolie*, Pierfrancesco Favino, Alba Rohrwacher, Kodi Smit-McPhee e Haluk Bilginer.

Duração: 2h 4min.

Estreia no Brasil: 16 de janeiro de 2025, nos cinemas.

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* Angelina Jolie foi indicada para o Globo de Ouro de melhor atriz em filmes dramáticos, ao lado de Kate Winslet (Lee), Nicole Kidman (Babygirl), Pamela Anderson (The Last Showgirl) e Tilda Swinton (O Quarto ao Lado). A vencedora foi Fernanda Torres, por sua atuação em Ainda Estou Aqui.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.

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