A cidade de Washington, no Estado de Iowa (no Meio-Oeste dos EUA), pode se considerar sortuda no que diz respeito ao avanço do novo coronavírus.
Localizada na zona rural e com apenas 7 mil habitantes, registrou somente 11 mortes até agora, em um momento em que a covid-19 matou mais de 217 mil americanos e infectou 7,9 milhões.
Mas Washington não foi poupada dos efeitos econômicos da pandemia.
E uma das principais vítimas econômicas da cidade pode ser justamente o que a torna famosa: o cinema State Theatre, aberto em 1897 e reconhecido oficialmente em 2016 pelo livro Guinness dos Recordes como o cinema mais antigo do mundo a operar continuamente.
A indústria cinematográfica foi afetada em toda sua cadeia pela pandemia, desde a produção de filmes até a operação de salas de cinema. A Cineworld, uma das maiores redes de cinema do mundo, anunciou em 4 de outubro que fecharia temporariamente suas salas nos EUA e no Reino Unido. A decisão foi tomada depois do anúncio do adiamento do lançamento de mais um blockbuster,: o novo filme da franquia James Bond, Sem Tempo para Morrer.
As consequências não demoraram a ser sentidas na pequena cidade rural de Iowa.
Russell Vannorsdel, vice-presidente da Fridley Theathers, empresa dona do State Thatre, diz à BBC que a situação é melancólica.
"Conseguimos operar até o fim de 2020, mas não sabemos o que vamos fazer, se Hollywood não está produzindo novos filmes e ainda não há uma decisão do governo americano quanto a um pacote de alívio (econômico)", diz ele.
Superando a Grande Depressão e o Netflix
Vannorsdel, que trabalha há 30 anos no setor e começou como vendedor de comida em um dos cinemas do grupo Fridley, acredita que a pandemia se converteu no mais duro teste de resistência enfrentado pelo State Theatre desde que abriu suas portas, 123 anos atrás.
"Sobrevivemos a ameaças como a Grande Depressão (crise econômica de enorme magnitude entre 1929 e 39), a crise financeira de 2008 e a chegada dos aluguéis domésticos de filmes e os serviços de streaming."
O local sobreviveu até a um incêndio, que forçou o fechamento da sala de cinema durante alguns meses de 2010.
"Mas quantos golpes mais conseguiremos aguentar? Não conseguiremos sobreviver enfrentando prejuízos semanais para sempre."
A receita do State Theathre caiu 70% em 2020, mesmo depois que os cinemas de Iowa foram autorizados a reabrir suas portas, em maio.
Enquanto isso, o grupo Fridley manteve o pagamento de salário dos funcionários, mesmo tendo limitado suas operações a sextas-feiras e fins de semana.
Na ausência de novos lançamentos, a única tela de cinema do local tem sido usada para transmitir eventos esportivos e filmes mais antigos. As salas também são alugadas para sessões privadas.
Durante os dois meses em que o State Theathre ficou fechado, como parte da quarentena imposta em Iowa, uma das ideias foi fazer delivery de pipoca — o local tem uma famosa máquina antiga de fazer pipoca, em funcionamento desde 1948.
"A comunidade tem sido incrível em nos apoiar", afirma Vannorsdel.
Salvo por um protesto
O State Theatre é o único cinema em um raio de 50 km, e a cidade já havia se unido para salvá-lo antes.
Depois do incêndio de 2010, a Fridley anunciou que o edifício antigo seria derrubado e substituído por salas mais modernas, com múltiplas telas.
A ideia desagradou a população, que protestou e forçou a empresa a reconstruir o antigo cinema, hoje listado como uma das atrações turísticas de Iowa.
Mas, agora, o momento é de incertezas, diante dos desafios sem precedentes enfrentados pela indústria cinematográfica.
Segundo a consultoria Omdia, as receitas de bilheterias caíram quase 70% no mundo em 2020 em comparação com o ano passado, e todos os grandes mercados foram afetados.
A China, que, segundo estimativas, deve superar os EUA como maior fonte de receita por bilheteria neste ano, sofreu uma queda de 66% na venda de ingressos. A Índia, que sedia a prolífica indústria de Bollywood, registrou redução de 75%.
A indústria de Hollywood como um todo prevê uma queda de ao menos 65% nas receitas com bilheterias, segundo levantamento da PricewaterhouseCoopers.
E as perspectivas para 2021 tampouco são animadoras.
"A indústria deve estar preocupada, porque foi um ano desastroso e a pandemia ainda está causando perturbações", diz Maria Rua Aguete, diretora de pesquisas na Omdia.
Mas Rua Aguete diz que, de modo mais amplo, há razões para esperança. Apesar do avanço dos serviços de streaming, 2019 foi um ano com receitas recordes (de mais de US$ 42 bilhões) para cinemas ao redor do mundo.
"Quando isto (pandemia) acabar, certamente haverá fechamentos de cinemas e dificuldades", ela diz. "Mas as pessoas que gostam de ir ao cinema estão dispostas a voltar. Nossa pesquisa mostra que os clientes ainda valorizam a 'experiência da telona' para lançamentos de filmes, em vez de assisti-los em casa."
Para Russell Vannorsdel, os dados trazem um pouco de esperança de que o State consiga superar mais esta tormenta.
"É como digo a meus colegas e amigos: sou muito bom cozinheiro de filé em casa", ele afirma, brincando. "Mas isso não significa que vou deixar de ir a restaurantes e desfrutar de uma boa refeição. Tenho fé que as pessoas vão voltar, mas precisamos sobreviver até lá."