Por trás do glamour, artistas de circo têm vida de renúncia

Por mais clichê que pareça, "fugir com o circo" ainda reúne histórias curiosas e emocionantes

7 abr 2015 - 19h08
(atualizado às 20h55)

Entender o que é amar o que se faz é algo que pode parecer distante tanto no conceito quanto na prática. Isso começa a fazer mais sentido quando se entende o que leva uma pessoa a trocar uma vida normal por uma rotina de circo com as constantes mudanças em um ambiente composto pelas mais diversas culturas. “Fugir com o circo” pode parecer clichê, mas diz muito sobre a vida dessas pessoas.

Para entender um pouco sobre o ser humano por trás do artista, o Terra conversou com o pessoal do circo Tihany, que faz temporada em Porto Alegre, para conhecer um pouco mais de suas histórias de vida. As diferentes experiências, a busca pela adrenalina no palco, o feedback do público, os desafios e tristezas vividas na solidão do camarim e compartilhadas com pessoas que passam pela mesma experiência.

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Separação da filha: ainda choro no camarim

Foto: Daniel Favero / Terra

Ekaterina Shavrina, 33, trapezista

Nascida em Moscou, na Rússia, Ekaterina começou na ginástica aos 4 anos de idade. Quando tinha 15 anos começou a viajar pelo mundo passando pela Bielorússia, Alemanha, Suécia, França... É uma artista premiada, mas há oito meses passou a enfrentar o maior desafio de sua carreira: o divórcio e a separação da filha Anastasia, de 10 anos.

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“Ele resolveu voltar para a Rússia e minha filha foi junto porque ela precisa ir para escola. Por dois anos eu ensinei minha filha, mas é muito complicado porque a escola na Rússia é muito puxada, é muito diferente daqui”, conta Ekaterina. “Ela precisava da escola, mas ele queria outra vida, porque ele não queria mais isso... ele queria outra vida, outro amor, não sei... são os homens...”, completa.

Segundo ela, o marido é massagista, mas trabalhava como assistente no circo, e já não estava mais feliz com a vida que eles levavam. “Vivi com meu ex-marido por 14 anos, e eu vejo que ele não podia viver como eu. Ele não entendia a minha vida, não entendia o meu trabalho... Talvez eu seja louca, eu não sei, mas eu gosto dos aplausos, do reconhecimento... para mim é muito importante(...)Eu sinto muito a falta dela, mas meu trabalho só pode ser feito até certa idade, quando ainda se é jovem. Não posso trabalhar até os 50 anos, agora eu tenho 33 anos, até quando vou poder continuar?”, se pergunta.

Ekaterina conta que tem apoio dos amigos e do circo, mas diz que se sente muito sozinha depois da partida de sua família. “Entendo que não dava mais para minha filha ficar aqui. É claro que ela precisa da mãe, meu coração chora todos os dias, às vezes eu choro aqui no camarim, mas no trabalho eu preciso ser forte, e preciso estar alegre, eu tenho que estar sorridente, mas depois quando volto ao camarim eu choro... porque é claro que eu sinto falta, eu sinto cada dia, cada minuto, cada segundo, mas não posso fazer nada agora. Eu tenho um contrato muito bom, e o Tihany é um circo muito bom, porque eu já trabalhei em muitos circos pela Europa, mas aqui é muito bom”, diz.

Minha mãe ficou assim: “vai fugir com o circo?”

Foto: Daniel Favero / Terra
Minha mãe ficou assim: “vai fugir com o circo?” 

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Aryelle Freitas nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte. Ela começou a estudar balé aos 4 anos de idade. Aos 15 começou a dar aulas, rotina que continuou até os 19, quando entrou na trupe circense, momento que considera o auge de sua carreira. Quando contou em casa que seguiria com o circo apenas a mãe foi resistente por entender que a filha estava fugindo com o circo.

“Minha mãe foi a única que ficou meio assim: ‘vai embora, vai sair de casa, fugir com o circo’... tem ainda essa coisa... mas toda minha família me apoiou. Porque não é qualquer circo, tem uma estrutura muito grande e ajudou demais com a minha formação. Cresci muito profissionalmente e pessoalmente. Todo mundo falou: ‘você tem que tentar’. Meu pai disse: ‘você tem que tentar, se não der certo você volta’”, conta.

A oportunidade surgiu durante a passagem do Tihany por Natal. Aryelle conseguiu um trabalho como recepcionista, mas ficou encantada com o espetáculo, e logo conseguiu a oportunidade de fazer um teste. “Quando eu vi o show me encantei com as apresentações, com as danças, e tipo, ficava na minha cabeça, queria tanto trabalhar em cima do palco dançando, e dai na ultima semana na minha cidade, comentei com a minha chefe que eu era bailarina e ela disse: ‘Aryelle tu estás no trabalho errado, tu tem que estar em cima do palco dançando’. Me convidaram para fazer o teste, passei e ingressei na trupe”, conta.

Quem trabalha no circo vive naquele microcosmo. Tanto que os relacionamentos mais duradouros sempre acontecem com quem trabalha ali, até porque é uma das únicas formas de entender pelo que o outro está passando. De vez em quando acontece um namoro à distância, mas quase todos sabem que nem sempre dá muito certo.

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“Olha, para namorar tem que ser alguém daqui, para ter um relacionamento sério e duradouro, tem que ser alguém do circo. À distância não dá certo. Já vi casos e não quero para mim. Eu já namorei aqui no circo, por dois anos, mas infelizmente ou felizmente a gente não está mais junto, mas é bacana quando você está com alguém que te ajude na caminhada. Viajando, longe da família a gente fica muito carente então é legal quando tu tem alguém”.

Ela diz que por conta dos amigos a vida no circo está longe de ser algo solitário, “sempre te colocam para cima”, e afirma que está feliz com esta fase de sua vida, viajando pelo mundo e conhecendo diferentes culturas fazendo o que ama.

“Faço o que eu amo, que é dançar. Viajo, conheço mil e um lugares diferentes pessoas, e me sinto realizada no meu trabalho. Sempre foi meu sonho viajar dançando, mas era um sonho bem distante. Mas foi uma oportunidade que surgiu e agarrei com unhas e dentes, e por isso estou aqui.

Trocou o contorcionismo pela maternidade

Foto: Daniel Favero / Terra

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Tsedendulam Lkhagva, Tseko

Ela nasceu na cidade mongol de Ovorhkangai. Desde muito pequena começou a estudar contorcionismo na escola nacional de circo da Mongólia. Fazia um número solo, e nas suas passagens pela China, Rússia e Bulgária acabou conhecendo o marido, que também é artista circense. Ele é um ginasta que faz um número de força no circo.

“Sempre fiz contorcionismo, enfrentando a dor que isso provoca”, conta. Tanto que começou a ter problemas com sua arcada dentária, uma vez que iniciou a manobra na qual se equilibra sustentada apenas pela força dos dentes antes de perder os dentes de leite.

Quando sua filha mais nova nasceu, há cinco anos, decidiu deixar o contorcionismo de lado, e passou a trabalhar como dançarina.

“Eu comecei no Tihany com um número sozinha. Mas agora tenho duas filhas e depois da segunda filha eu parei de fazer contorcionismo, e estou fazendo agora a dança. Tive que parar porque comecei a fazer o dental – o número no qual se equilibra com as força dos dentes – antes dos dentes de leite caírem, então estava com problemas nas raízes dos dentes, na coluna também, e já era melhor parar para não ter problemas no futuro”, conta Tseko.

Atualmente sua maior preocupação é com a educação das filha, que estudam em escolas brasileiras. Mas por conta da dificuldade com o idioma, ela tem dificuldades de ajudar a filha com os deveres de casa. Para tentar ajudar com isso, o circo contrata professores particulares em cada cidade onde para.

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“Quando éramos apenas os dois era normal, mas quando nasceram as crianças mudou tudo, e a gente passou a se dedicar a eles. E agora com a idade escolar começou a ficar ainda mais difícil. A mais velha, de 8 anos, está no terceiro ano, e como o ensino é em português não consigo ajudar muito com suas tarefas. Tento auxiliar com ajuda da internet, e a mais velha começa a reclamar de ter que se separar das amizades, das amigas...”, conta.

Ela sabe que a vida de artista circense tem prazo de validade, e por isso ela e o marido planejam abrir uma escola de artes circenses na Mongólia ou no México. Sobre seu país, ela diz que sente muita saudade, mas consegue amenizar com a ajuda das redes sociais. No entanto, sempre que volta de uma visita, fica com a cabeça longe.

“Logo depois que a gente volta (da Mongólia) teu corpo trabalha aqui, mas tua mente está lá. Tu sente saudades do teu pai, da mãe, da família, mas como tenho minha família aqui a gente se divide entre aqui e lá”, finaliza Tseko.

Fonte: Terra
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