Quanto custa para um país mudar de nome?

Um país no mundo está determinado a se livrar de seu passado colonial - mas quais são os valores financeiros envolvidos em limpar os vestígios do passado?

16 jul 2018 - 18h52
A grande maioria da população de eSwatini depende da agricultura como subsistência
A grande maioria da população de eSwatini depende da agricultura como subsistência
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

No dia 19 de abril, um dos últimos monarcas absolutistas do mundo falou a uma multidão de pessoas em um pequeno estádio esportivo no sul do continente africano.

"Os países africanos, ao conseguir a independência, voltaram aos seus nomes anteriores à colonização", disse Mswati III. Naquele momento, ele ainda era o rei da Suazilândia - mas a Suazilândia deixaria de existir. "Então, de agora em diante, o país será conhecido oficialmente como o Reino de eSwatini."

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Apesar do nome eSwatini, que significa 'lar do povo Swazi', ser frequentemente usado no país e, portanto, não representar tanta novidade, o anúncio foi recebido com surpresa pelos cidadãos - e pelo resto do mundo.

Agora amparada por lei, a mudança fez muitos se perguntarem como e de que formas será efetivada. E, de fato, quanto essa nova apresentação do país custará a essa nação de 1,5 milhão de habitantes?

Como muitos outros países africanos, eSwatini, que tem fronteira com Moçambique e África do Sul, tem lutado para se redefinir em sua era pós-colonial. O rei Mswati III escolheu o dia da celebração que marca os 50 anos do fim da colonização britânica para firmar seu decreto sobre a mudança de nome.

Deve haver algum significado pessoal também, já que 19 de abril é também o aniversário do rei. Foi seu antepassado do século 19, Mswati II, que deu o nome eSwatini ao país pela primeira vez.

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A mudança foi anunciada 50 anos após a independência e no dia do aniversário do rei Mswati III
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Críticas ao autoritarismo

O eSwatini não é tão pobre como outros países africanos, mas depende da economia da vizinha África do Sul e enfrenta alguns desafios consideráveis, como a maior taxa de adultos com HIV do mundo.

A atitude de mudar de nome foi controversa. Bheki Makhubu, um jornalista e editor da revista local The Nation, disse que as pessoas já estavam acostumadas ao rei se referir ao país como eSwatini. Mas, em sua opinião, a mudança de nome reflete perfeitamente seu estilo de governo, diz Makhubu: "Ele basicamente faz o que quer com o país".

Alguns dizem até que ele trata o Estado de eSwatini como sua propriedade privada, diz Makhubu, que descreve a situação como "um horror". "Nós [o povo] só estamos no meio".

No entanto, a mudança de nome não é uma atitude puramente superficial, diz o advogado de propriedade intelectual e blogueiro Darren Olivier. "Há valor nisso, há um valor intrínseco nessa identidade e no que significa para o povo", diz. "Ainda assim, há um custo - um custo físico em mudar a identidade."

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Como muitos outros, Olivier se perguntou exatamente qual é o preço de virar oficialmente eSwatini. Logo após o anúncio do rei, Olivier publicou em seu blog que estima o valor da mudança de nome em 6 milhões de dólares (cerca de 23 milhões de reais).

eSwatini não é tão pobre como outros países africanos, mas depende da economia da vizinha África do Sul
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Ele fez esse cálculo com base no rendimento anual tributável e não tributável do país, de cerca de U$1 bilhão (R$3,85 bi).

Para uma empresa grande, o orçamento médio de marketing custa cerca de 6% de seu rendimento, diz ele. Isso daria 60 milhões de dólares nesse caso - e projetos de marca geralmente tomam 10% desses custos de marketing. Isso resulta nos 6 milhões de dólares estimados para o governo eSwatini mudar o nome.

Como diz Olivier, para um país tão pequeno, isso 'não é insignificante'.

Ele admite que sua estimativa é feita "por aproximação" e baseada em suposições sobre como funciona o "rebranding" em contextos corporativos, como quando uma empresa muda de nome, mas é potencialmente útil para imaginar o valor considerando que ninguém realmente sabe que tipo de conta o povo sob o comando do rei Mswati pode ter que enfrentar.

A moeda de eSwatini está atrelada à da África do Sul
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mudança de 'marca'

"A papelada, os sites oficiais, assinaturas nas propriedades do governo, agências do governo - há um enorme gasto aqui e precisamos perguntar desde o começo se é realmente necessário", diz Jeremy Sampson, diretor-executivo para a África na empresa de marketing Brand Finance.

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Na vizinha África do Sul, a mudança de nomes coloniais nas ruas da cidade de Pretória, por exemplo, custou milhões. Em meados do século 20, o líder do Quênia determinou que os nomes das ruas locais deveriam ser mudados para versões não coloniais - esse processo levou anos. E até em Berlim, nomes de ruas no Bairro Africano ligados à história colonial serão removidos. Uma 'imposto' do pós-colonialismo é o peso financeiro resultante da retirada de vestígios do passado.

Considerando a incerteza, órgãos do governo compartilharam informações dizendo que a mudança de nome não será cara. O Ministério do Interior de eSwatini disse que a mudança de nome será gradual para limitar os custos. Papéis timbrados do governo ainda registrando o nome Suazilândia não serão jogados fora, por exemplo. "Vai levar tempo para terminarmos o estoque que temos", explicou a ministra do Interior, princesa Tsandzile Dlamini, aos jornais.

Provavelmente por questões práticas, o rei também se esforçou para manter válidas as documentações que se referem à Suazilândia. Uma nota oficial foi publicada dizendo que qualquer acordo internacional ou contratos legais que se referem ao nome "antigo" serão entendidos como uma referência a eSwatini. Essa proteção legal certamente poupará negócios estrangeiros do custo de atualizar uma série de documentos corporativos.

Quando entrei em contato com o Alto Comissariado Swazi, a representante do escritório da Commonwealth em Londres, uma porta-voz do órgão disse que a mudança de nome "não tinha qualquer implicação para nenhuma de nossas políticas e acordos".

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Eu perguntei se o Alto Comissariado da Suazilândia mudaria seu nome. "Sim", ela respondeu. "Nossa missão agora é o Alto Comissariado de eSwatini". No entanto, a assinatura do e-mail continuava com o nome antigo.

A comissão de turismo já se refere ao país como eSwatini
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mas aqui e ali, a mudança realmente está acontecendo. A Comissão de Turismo já fez seu rebranding. Isso é importante porque, como qualquer outra comissão de turismo, é a forma como o país se apresenta para o resto do mundo - e sugere que aqueles fora do país devem se referir a ele como eSwatini, não Suazilândia.

E quanto a mapas e gráficos? O geógrafo Peter Jordan, da Academia Austríaca das Ciências, diz que há uma diferença entre o nome que um país usa internamente (endômino) e o nome que outros usam externamente em referência a ele (o exônimo). Como exemplo temos o caso alemão, que usa 'Deutschland' internamente e 'Germany' ou 'Allemagne' externamente.

"Não é preciso muito", explica Jordan, "quando a Suazilândia muda seu endômino, já que geralmente os mapas e atlas usam o exômino".

E será que outras nações vão olhar para a eSwatini como um país atualizado com o qual eles deveriam estar negociando?

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Talvez seja por causa disso, por exemplo, que o Google Maps continue se referindo a Suazilândia apesar de ser um serviço digital que pode ser atualizado rapidamente.

Alguns levaram a sério, porém. A embaixada americana em eSwatini mudou rapidamente sua marca - e até atualizou sua conta no Twitter.

Oposição interna

No fim das contas, pessoas e organizações ao redor do mundo provavelmente apenas escolherão o nome Suazilândia ou eSwatini com base em sua preferência pessoal. Mas é dentro do país que a mudança tem seu maior significado. E nem todos estão convencidos de que realmente seja um bom uso de dinheiro público.

"Nós rejeitamos a mudança de nome, não é resultado de um processo consultivo", diz Mlungisi Makhanya, secretário geral do Movimento Democrático do Povo Unido, um partido socialista de oposição no país.

Makhanya diz que ele não tem problemas com a mudança de nome a princípio, mas diz que deveria ter sido planejada de forma mais transparente. Ele diz que ele e outros se preocupam com os custos envolvidos - mas que muitos têm medo de falar sobre isso.

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"É muito difícil dizer agora [quanto custará]", diz ele, acrescentando que está muito preocupado que poderá custar centenas de milhões de lilangeni (a moeda local). O Banco Central da Suazilândia recentemente mudou seu nome para Banco Central da eSwatini, mas as moedas e notas ainda precisam ser atualizadas, aponta ele.

"Existe uma ideia errada sobre o rei de que ele é um tipo de monarca africano playboy", diz Andrew Le Roux, presidente da Federação de Empregadores da Suazilândia e Câmara do Comércio.

Para ele, uma identidade nacional modificada é uma oportunidade para os swazis decidirem quem são e como querem se representar perante o mundo.

Muitos negócios têm "Suazilândia" em seu nome. Eu pergunto se há alguma pressão legal ou oficial para mudar isso e Le Roux diz que não.

E ele diz ter notado um interesse renovado no país por parte do resto do mundo depois do anúncio. "A mudança de nome gerou mais tráfego online do que qualquer outra notícia sobre a Suazilândia nos últimos anos", diz ele.

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Certamente é uma boa maneira de chamar atenção. Se outras nações vão ver eSwatini como um país renovado e portanto um bom lugar para se fazer negócios, não se sabe.

Caso isso ocorrar, a mudança pode acabar valendo a pena a longo prazo. Mas certamente não há garantias disso e os swazis que veem isso como uma distração de questões mais sérias que o governo deveria estar lidando não podem ser culpados por isso.

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