O Globo de Ouro deste ano fez aquilo que essas premiações fazem de melhor: embolou a disputa pelo Oscar, com Demi Moore ganhando prêmio de melhor atriz em musical ou comédia pela sátira de terror corporal A Substância e Fernanda Torres levando a estatueta na categoria drama com Ainda Estou Aqui.
Nenhuma das duas estava até então no topo da maioria das listas de previsões de indicados para o Oscar, mencionadas como possibilidades improváveis.
Suas vitórias inesperadas, contudo, ao lado do fato de ambas terem feito discursos emocionantes, asseguraram a elas lugares na disputa.
Vamos ser francos sobre o que é o Globo de Ouro. Como premiação, é uma mais uma desculpa para uma performance chamativa e estrelada, onde artistas do calibre de Nicole Kidman a Harrison Ford e Zendaya aparecem.
Seus 334 jurados não se sobrepõem às mais de 9 mil pessoas que podem votar no Oscar.
Por tudo isso, ganhar um Globo de Ouro tem mais a ver com a projeção que o prêmio pode conferir a um artista ou um obra, que podem passar a ser percebidos como vencedores ou pelo menos competidores a serem levados a sério.
É por isso que essas vitórias são boas notícias para Demi Moore e Fernanda Torres.
A performance de Demi Moore como uma personalidade televisiva deixada de lado por uma substituta mais jovem (Margaret Qualley) é forte, mas uma campanha do Oscar precisa de mais do que isso, e ela tem o tipo de narrativa de retorno que os eleitores adoram.
A atriz enfatizou isso de forma inteligente em seu discurso, começando com o fato de que nunca havia sido premiada por atuação em sua longa carreira.
Moore mencionou sua própria insegurança, compartilhando que um produtor lhe havia dito 30 anos atrás que ela era "uma atriz de filmes-pipoca" que poderia ganhar dinheiro, mas que não seria levada a sério, uma ideia que ela internalizou - um belo toque de modéstia.
E emendou: "Como eu estava em um ponto baixo, recebi esse roteiro criativo, fora da caixa e maluco na minha mesa, chamado A Substância".
Esse tipo de ressurgimento cai bem para os jurados, como aconteceu quando Ke Huy Quan ganhou um Oscar por Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, depois de ter deixado de atuar por décadas.
E ajuda que o tema de A Substância, a necessidade e o alto custo da vaidade e do estrelato de Hollywood, ressoe entre os jurados.
Fernanda Torres, uma atriz veterana, mas dificilmente uma estrela de Hollywood, foi uma surpresa ainda maior, mas sua vitória é bem merecida.
Sua performance feroz e discreta é o coração de Ainda Estou Aqui, de Walter Salles. O discurso da atriz incluiu uma dedicação comovente à sua própria mãe, Fernanda Montenegro, que interpreta a mãe de sua personagem no filme, e que foi indicada ao Globo de Ouro e ao Oscar há 25 anos por outro longa de Salles, Central do Brasil.
Além disso, Fernanda Torres estava entre os poucos vencedores cujo discurso comentou, paralelamente, sobre o estado do mundo, vinculando a resiliência que sua personagem precisava hoje.
"Há algo acontecendo agora no mundo com tanto medo. E este é um filme que nos ajudou a pensar em como sobreviver em tempos difíceis como este", disse ela.
É uma mensagem esperançosa transmitida com o tato que Hollywood provavelmente acolherá.
Claro, essas surpresas apenas colocaram Demi Moore e Fernanda Torres na mente dos jurados do Oscar (e para Demie Moore, na dos jurados do Bafta, já que ela está entre os pré-indicados).
O Globo de Ouro pode ser um péssimo preditor porque dividir as principais categorias em comédia e drama dobra o número de indicados. Mas Demi Moore e Fernanda Torres venceram a competição mais difícil.
Demi Moore venceu três supostos favoritos ao Oscar, Mikey Madison (Anora), Karla Sofía Gascón (Emilia Pérez) e Cynthia Erivo (Wicked). Já a categoria de Fernanda Torres incluía Nicole Kidman (Babygirl), Angelina Jolie (Maria) e Tilda Swinton (O Quarto ao Lado).
Todas essas oito atrizes estão agora na dança das cadeiras do Oscar, um jogo em que Demi Moore e Fernanda Torres não necessariamente participando até alguns dias atrás.
Outra surpresa de atuação, a vitória de Sebastian Stan como melhor ator em um musical ou comédia por A Different Man, provavelmente não terá o mesmo impacto.
A competição real estava na categoria drama, com os favoritos ao Oscar Adrien Brody (O Brutalista) e Timothée Chalamet (Um Completo Desconhecido) em uma disputa acirrada terminada com a vitória de Adrien Brody.
A vitória surpresa de Sebastian Stan provavelmente servirá como validação de carreira e um ponto fraco na premiação porque ele enfrentou uma competição fraca.
Glen Powell por Assassino por Acaso, e Gabriel Labelle por Saturday Night parecem movimentos para preencher essa categoria. Afinal, é raro que o Globo de Ouro agite uma corrida do jeito que fez com a categoria de melhor atriz.
Mais frequentemente, eles solidificam as perspectivas do Oscar, como aconteceu com Kieran Culkin, que ganhou o prêmio de melhor ator coadjuvante por A Real Pain e parece estar garantido para ganhar o Oscar.
A coisa mais importante sobre o Globo de Ouro deste ano pode ser seu momento. A votação para indicações ao Oscar termina no próximo domingo, 12 de janeiro, o que significa que o Globo de Ouro chegou bem a tempo de deixar os jurados refletirem sobre o novo cenário de prêmios.