Em uma estreita ladeira no bairro do Curuzu, na periferia de Salvador, se aglomerava uma multidão na noite deste sábado, 18. Eram quase 22h - uma hora além do previsto - quando foi possível ouvir o som dos tambores. Bastou ressoar o primeiro toque, que a euforia foi geral: o Ilê Aiyê, primeiro bloco afro do País, marcava sua volta ao carnaval depois de dois anos.
Saindo do terreiro Ilê Axé Jitolu, o desfile só começa depois de uma cerimônia religiosa, em que milho, pipoca e pó de pemba são despejados sobre o público que aguarda o cortejo. Em seguida, após uma oração puxada pelo bloco e acompanhada pela multidão, personalidades como a Deusa do Ébano, o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, e o fundador do bloco, o Vovô do Ilê, libertam pombas brancas sobre a ladeira.
A partir daí, centenas de pessoas, entre moradores do bairro e turistas seguem ladeira acima, puxados pelo batuque dos tambores e pelos cantores que vão mais à frente, em um pequeno trio elétrico. Com as ruas tão cheias, em diversos momentos o canto vindo do trio e o som vindo dos tambores deixam de ser ouvidos. Mas não há silêncio no meio da multidão. Basta uma pessoa puxar, que todos acompanham cantando músicas do Ilê.
Este ano, o desfile homenageou Agostinho Neto, em celebração ao centenário do presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola, considerado um herói nacional do país africano. Além disso, o Ilê reverenciou Mãe Hilda Jitolu, que também celebraria 100 anos em 2023.
Ilê Aiyê é política
Para as personalidades presentes esperando a saída do Ilê, não há dúvidas: por si só, o bloco carrega uma existência política. “O Ilê é uma proposta de resistência negra que vai às ruas no carnaval, mas ele existe o ano inteiro. Aqui é o lugar onde mulheres comuns viram rainhas”, afirma a deputada estadual Olívia Santana, fazendo referência à exaltação das mulheres negras a partir do bloco e da criação da Deusa do Ébano.
“Vem gente do mundo inteiro aqui querendo saber quem é a rainha do Ilê. Isso deu uma outra dimensão para o Curuzu e para essa coletividade negra”, considera a deputada.
O secretário de Cultura do Estado da Bahia, Bruno Monteiro, também falou sobre a força política do bloco. Para ele, o Ilê Aiyê chega a ter um "caráter educacional não institucionalizado”. “Quando o Ilê vai para as ruas, como está indo esse ano, fazendo uma homenagem a Agostinho Neto, que tem seu nome marcado como um personagem na libertação do povo angolano, ele está trazendo uma mensagem antirracista”, diz.
A culinarista Bela Gil, filha do cantor Gilberto Gil, também esteve presente na saída do Ilê Aiyê. Após 15 anos, Bela retornou ao terreiro Ilê Axé Jitolu. “Esse retorno, com 35 anos, e uma consciência muito maior da importância da cultura negra, da cultura afro na Bahia e no Brasil é muito bom”, afirma.
O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), também participou das celebrações que antecedem o desfile do bloco. Ao chegar no local, Jerônimo trocou de roupa e vestiu trajes que representam a cultura africana. Acompanhado de muitos secretários, o governador disse que todos estavam ali por afinidades pessoais com o Ilê. "Todos secretários, secretárias que vocês veem aqui, já militam aqui. Não é porque estão secretários, nós sempre viemos aqui”, afirmou o petista.
No local, esteve ainda o secretário de Cultura e Turismo de Salvador, Pedro Tourinho, representando a prefeitura. Apesar de defender o apoio aos blocos afros, o prefeito Bruno Reis não pôde participar da saída do bloco, por causa de, segundo o secretário, outros compromissos. “A prefeitura está com o Ilê o ano inteiro, não só no carnaval. Então mesmo que o prefeito não esteja aqui presente hoje a gente tem uma agenda extensa com o Ilê, para muito além do carnaval”, justificou Tourinho.