Eles silenciaram pela última vez em 2020. Desde então, os versos de Lenine "Nas noites dos tambores silenciosos / Sou a calunga revelando o carnaval", da música 'Leão do Norte', ficaram só na lembrança.
Foi assim até esta segunda, 13, quando as nações de maracatu de Olinda saíram em cortejo pelas ruas do Sítio Histórico. O motivo? Pedido de proteção aos orixás, para que Pernambuco possa brincar o carnaval em paz.
Esta foi a 24ª edição da celebração da Noite dos Tambores Silenciosos, pelas ladeiras de Olinda. O ritual ocorre a partir de cortejos, nos quais são levadas bonecas negras produzidas em madeira, ricamente vestidas e chamadas de calungas. Elementos sagrados do candomblé, elas simbolizam uma entidade ou rainha já morta. Sem a calunga, o maracatu não sai.
Mas, enfim, o maracatu saiu. E emocionou uma multidão que acompanhava os cortejos pelas ruas da cidade. Calçadas lotadas e olhares atentos das janelas. Moradores e turistas emocionados, acompanhando cada corte de maracatu que passava com a sua calunga e seus mais de 30 integrantes, entre reis, rainhas, yabás, caboclos de pena, damas do paço e batuqueiros.
O Maracatu Nação, ou Maracatu de Baque Virado, é a expressão mais antiga dessa manifestação cultural pernambucana. Suas origens remontam ao século XVIII, durante o Brasil Colonial.
Na Noite dos Tambores Silenciosos, as nações começaram a se reunir na Rua Prudente de Moraes a partir das 20h. De lá, saíram em cortejo pelos Quatro Cantos e pela Rua do Amparo até o local da cerimônia. Uma a uma, as cortes se apresentaram em frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, construída no século XVII.
Em um determinado momento, o mestre de cerimônias canta ao microfone: "proteja os seus olhos, por favor!" enquanto integrantes da corte rodopiam e alçam ao ar garrafas com perfume de alfazema. Na umbanda, a planta é muito utilizada para limpar a aura e abrir caminhos.
Após um hiato de dois anos, nações de maracatu voltaram a pisar o solo sagrado das ladeiras de Olinda na Noite dos Tambores Silenciosos. O nome não é à toa: à meia-noite, os instrumentistas deixam de tocar as alfaias dos maracatus.
A cerimônia de sincretismo religioso é uma celebração aos eguns, termo nas religiões de matriz africana para se referir ao espírito de qualquer pessoa falecida. E segue com cantos para Oyá (Iansã), orixá responsável por fazer a conexão entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos.
É nesta hora em que, mesmo sem saber a letra das canções entoadas em iorubá pelo babalorixá, o repórter que escreve este relato se deixa levar pela emoção e canta junto, evocando a proteção dos orixás e rogando pelas suas bençãos. Pede prosperidade para si e para os seus. Pelo trabalho e pelo amor. E para que os tambores não silenciem nunca mais por tanto tempo.