'Rei das Marchinhas' rejeita título de homofóbico: "Se quero dar um beijo na boca de um gay, dou"

Hoje com 84 anos, João Roberto Kelly é o autor de "Cabeleira do Zezé" e garante que marchinha não tem nada de homofóbica

7 fev 2023 - 05h00
João Roberto Kelly é compositor de várias marchinhas que marcam a folia momesca de ontem e de hoje
João Roberto Kelly é compositor de várias marchinhas que marcam a folia momesca de ontem e de hoje
Foto: Reprodução / Redes Sociais

Você pode até não escolher as fanfarras e marchinhas na programação para o carnaval, mas certamente já entoou alguns dos versos mais famosos dessa época do ano. "Olha a cabeleira do Zezé / Será que ele é", por exemplo, se tornou um clássico do carnaval. E o autor dessa obra de arte, João Roberto Kelly, assegura que a canção não tem nada de homofóbica - a parte que diz "bicha", inclusive, não é de sua autoria.

"Transviado não é viado! Nunca pensei em ofensa gay, sabe? Mas, infelizmente, aconteceu uma coisa que não gostei. Colocaram nessa segunda parte a palavra 'bicha'. Isso não é meu", diz, em entrevista ao Terra.

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Hoje com 84 anos, o 'Rei das Marchinhas', como ficou conhecido, mostra seu carinho com a comunidade LGBTQIA+ na composição que fez para o carnaval de 2023. "Eu sou gay / o mundo é meu / Você não é / Azar o seu" é uma ode a esse público que, segundo Roberto Kelly, são a razão de existir do carnaval.

"Nas oficinas das escolas de samba, por exemplo, eles se dedicam com afinco e fazem desde as fantasias mais simples até as imensas esculturas dos carros alegóricos. Sou muito grato aos gays por tudo que eles têm feito ao carnaval", acrescenta.

Leia abaixo a entrevista completa com João Roberto Kelly, o 'Rei das Marchinhas'. 

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O que te motivou a compor uma marchinha em homenagem aos gays para o carnaval deste ano?

Os LGBTs+ merecem todas as homenagens no carnaval, pois sem esse público a folia não seria como conhecemos hoje. Nas oficinas das escolas de samba, por exemplo, eles se dedicam com afinco e fazem desde as fantasias mais simples até as imensas esculturas dos carros alegóricos. Há vários carnavalescos gays. Então, sou muito grato aos gays por tudo que eles têm feito ao carnaval. Essa minha marcha é para concretizar este sentimento. A letra tenta exaltar o mundo gay que tanto amo.

Você traz sempre temas muito cadentes nas suas composições, como a figura do Gilmar Mendes [ministro do Supremo Tribunal Federal], o menino que veste rosa e a menina que veste azul, e a pandemia. O carnaval, na sua opinião, é uma festa política?

Na minha opinião, o carnaval não é uma festa política, mas uma manifestação eminentemente popular. Quanto menos política tiver envolvida no carnaval é melhor, viu? O carnaval é uma coisa unificadora, e que envolve alegria, amor, música e arte. Nesta festa, não cabe as divisões próprias da esfera política. 

O que acha do cancelamento de algumas marchinhas?

Estas músicas, graças a Deus, são muito tocadas. Eu fiz com muita alegria. De repente veio isso de cancelamento, o que me remete a um período muito triste da história do Brasil, que foi o tempo da censura. O "Cabeleira do Zezé" não tem nada de homofobia, sabe? Eu frequentava um bar em Copacabana e tinha um garçom cabeludo, ele se chamava José Antônio. O cara mexia com todo mundo, daí pensei: esse rapaz merece uma música. Fiz na intenção de brincar. O "transviado" não tem nenhuma ofensa gay, mas remete aos grupo do Carlos Imperial [produtor artístico] que era todo mundo cabeludo também. Transviado não é viado! Nunca pensei em ofensa gay, sabe? Mas, infelizmente, aconteceu uma coisa que não gostei: colocaram nessa segunda parte a palavra 'bicha'. Isso não é meu! 

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Eu sou francamente dos gays, rapaz. Eu ajudei a compor as músicas do espetáculo "Le Girl", que revelou Jane Di Castro, Rogéria e outras transformistas. Este foi o maior show de travestis que o Brasil já teve, e sempre fui amigo e amado por essa turma toda. Nós temos de ser do jeito que o coração da gente manda. Por exemplo, se eu quero dar um beijo na boca de um gay, eu dou. (risos)

A marchinha ainda é a cara do carnaval. E muitos blocos formados por jovens só tocam marchinhas. Você sabe por quê?

O ritmo conquista os jovens porque se trata de uma linguagem mais aberta, mais solta. As letras estão mais de acordo com o que a gente conversa no dia a dia. 

Em 2006, a Fundição Progresso começou a produzir um concurso nacional de marchinhas, o que alavancou o carnaval de rua do Rio e, posteriormente, em todo o Brasil.  Como você vê o carnaval hoje?

Lá na Fundição Progresso, o Perfeito Fortuna [produtor cultural] é o baluarte dessa nova página do carnaval. Tive a honra de ser jurado desses concursos de marchinha. A partir desses encontros, o carnaval de rua se expandiu para todo o Brasil. E, neste ano, vamos fazer o maior carnaval de todos os tempos. Chega de ficar deprimido em casa, não é? Vamos nos soltar com muita alegria, respeito e dignidade. Vamos botar para quebrar. (risos)

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Aos 84 anos, João Roberto Kelly diz que o segredo de sua vitalidade é o carnaval.
Foto: Reprodução / Redes Sociais

Quem você considera o maior intérprete de marchinhas da história?

Gosto muito da Emilinha Borba cantando marchinhas. A maravilhosa Dalva de Oliveira, que sabia dividir uma marcha-rancho como ninguém.Também gosto muito da Marlene e da Dircinha Batista. E também do grande Jorge Goulart, que em 'Cabeleireiro do Zezé' encantava a todos com seu vozeirão. 

Qual é o segredo de tanta vitalidade aos 84 anos?

Não há propriamente um segredo, há uma forma de viver. Eu encaro a vida com otimismo. Somente com muito carnaval eu consigo essa vitalidade, entendeu? Ir em um bloco, ou um baile, e ver uma banda tocando minhas músicas é uma maravilha. Essa é a maior alegria que um compositor tem, isso vale mais do que qualquer dinheiro, ou direito autoral.  

Além de se preparar para o carnaval, o que você anda fazendo em 2023?

Muita música. Para este ano, estamos trabalhando em um novo CD só de músicas românticas. Já está tudo pronto aqui em casa. Quem é romântico vai adorar!

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Fonte: Redação Terra
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