'Quase desisti do Carnaval', diz ritmista da Rosas de Ouro após perder a visão

Conheça Ney e Xandoca, dois apaixonados por samba que fortalecem tradições ao desfilar pela Rosas de Ouro, em São Paulo

20 abr 2022 - 05h00
(atualizado às 15h09)
Ney e o filho Vinicius durante ensaio técnico da Rosas de Ouro
Ney e o filho Vinicius durante ensaio técnico da Rosas de Ouro
Foto: Acervo Pessoal

Diabético, o ritmista Claudiney José Alves, 67, viu seu mundo desmoronar após desenvolver um glaucoma e perder a visão. Em dois anos, passou por duas cirurgias nos olhos, enfrentou problemas no pós-operatório por causa da covid-19, e, atualmente, tem apenas 10% da visão em um dos olhos. Uma perda que o fez querer desistir de tudo, mas o amor pelo Carnaval o trouxe de volta à vida.

"Quase desiste de tudo. Não só daquilo que mais amava fazer [desfilar], como também da vida", lembra o membro da bateria da Rosas de Ouro, que enfrentou uma depressão profunda após a perda da visão.

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Decidido a largar a tradição de 40 anos e a sua cuíca, Ney encontrou no apoio da escola a oportunidade de renascer. "Eu tinha decidido não ir mais, estava muito para baixo com essa perda de visão repentina. Mas o Mestre Rafa me ligou e disse que eu não poderia deixar de desfilar", conta o ritmista.  

Foram dois anos sem sentir o arrepio que a bateria da escola de samba provoca. Não à toa seu retorno à Rosas de Ouro foi marcado de muita emoção. O prazer e a satisfação em estar vivo, fez como Ney sentisse que a perda de visão não representava o fim. O samba o fez perceber que podia fazer tudo que fazia antes, só que agora com a ajuda e companhia do filho Vinicius, que desfilará ao lado dele, guiando seus passos pela avenida.

"A vontade de superar tudo isso, de estar no Carnaval novamente é grande. E estamos no Carnaval, estamos aqui. Essa volta é o que todos nós queremos. Vamos dar o máximo", diz o cuiqueiro, que não esconde a emoção e ansiedade na volta para a avenida.

Xandoca durante ensaio na quadra da Rosas de Ouro
Foto: Acervo Pessoal

Carnaval é para todos

Ney tem muito em comum com Alexandra da Silva, 51, mais conhecida como Xandoca. Além de compartilharem o amor pela Rosas de Ouro, os dois fazem parte do trabalho de inclusão social e acessibilidade da tradicional escola de samba da Freguesia do Ó, em São Paulo.

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No sambódromo, eles representam um universo de 6,5 milhões de brasileiros com deficiência visual. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse número representa 3,4% da população. 

Um descolamento de retina, sem causa conhecida, tirou a visão Xandoca, que prova que o Carnaval é para todos. Há três anos na Rosas de Ouro, Xandoca já desfilou em alas específicas para pessoas com deficiência visual. Mas, em 2022, desfilará pela primeira vez numa ala coreografada e será a única com deficiência visual no grupo. 

Xandoca garante que algumas pessoas não percebem sua deficiência e, apesar de poder contar com as companheiras de ala, revela uma tática para não errar a coreografia: reconhecer as pisadas de quem está por perto. A estratégia é uma forma de conseguir matar a saudade da escola do coração e manter vivos os laços de família.

"Falar da Rosas é duro pra mim, porque eu fico emocionada. É a memória afetiva do meu avô, que sempre foi apaixonado pela escola, e me faz me sentir viva. Me mostra que perdi a visão, mas que tenho a condição de fazer as coisas que eu fazia antes", conta ela, que ressalva a importância do apoio recebido pela família, pelos amigos e pela  Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual (Lamara).

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Apesar de todo apoio, Xandoca destaca os problemas no dia-a-dia. "Sair para a rua é uma guerra. Os obstáculos são muitos e a sociedade não nos respeita", lamenta.

Mas, quando está na quadra, a situação é diferente. Xandoca diz enxergar com a alma aquilo que os olhos não a deixa ver e se emociona ao dizer que sente o pavilhão [símbolo de devoção de uma escola de samba] por perto. "Não sei explicar, mas eu sinto e sei quando ele está perto de mim, mesmo sem poder vê-lo", finaliza.

Fonte: Redação Terra
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