A Mangueira foi a grande sensação da primeira noite de desfiles do Grupo Especial, no domingo (23). A agremiação contou a história de Jesus de uma forma moderna, abordou a relação com as minorias e encostou no polêmico assunto de intolerância religiosa.
Já conhecida por seus posicionamentos políticos, a escola havia avisado que não tinha a intenção de falar explicitamente de política ou religião, mas sim contar a história de Cristo sob um outro olhar. E, de cara, colocou Evelyn Bastos para interpretar uma versão negra e feminina de Jesus.
Evelyn, a princípio, usaria uma fantasia tradicional de rainha, mas acabou com um manto brilhoso cobrindo o corpo. Ela não sambou; em vez disso, usou uma coroa de espinho e interpretou o sofrimento de Jesus na véspera da crucificação.
A comissão de frente conquistou o público de cara. Jesus apareceu de roupas jeans e rodeados de amigos - todos representando minorias - dançando e tirando selfies. Até que a polícia apareceu e colocou todo mundo na parede, menos Cristo, que era branco. Ainda assim ele foi preso, numa alusão à passagem bíblica em que ele é pego pelos guardas romanos.
Carros alegóricos mostraram o contraste entre a humildade de Maria, interpretada por Alcione, José, e Jesus, e a grandeza de ser o filho de Cristo.
Em outra ala, os foliões colocavam em xeque posicionamentos que cristãos políticos adotaram nas últimas eleições. “Bandido Bom é Bandido Morto” trazia negros e pobres e “Vai Tacar Pedra?” se referia à comunidade LGBT.
Por fim, diversas versões de Cristo crucificado foram retratadas: mulheres, LGBT’s negros, pobres, entre outros. O carro alegórico final trouxe Jesus ressuscitando em plena favela da Mangueira.
O Twitter foi à loucura e colocou a agremiação entre os assuntos mais comentados da noite. Além da história bem contada, a bateria também fez sucesso ao misturar funk com o tradicional samba. A escola carioca, vencedora da última edição, é de fato uma das favoritas ao título deste ano.
Confira um trecho do samba-enredo “A Verdade Vos Fará Livre”:
Eu sou da Estação Primeira de Nazaré
Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher
Moleque pelintra no buraco quente
Meu nome é Jesus da Gente
Nasci de peito aberto, de punho cerrado
Meu pai carpinteiro, desempregado
Minha mãe é Maria das Dores Brasil
Enxugo o suor de quem desce e sobe ladeira
Me encontro no amor que não encontra fronteira
Procura por mim nas fileiras contra a opressão
E no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão
E no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão