Se você prestar atenção no meio do brilho do carnaval de Salvador, perceberá os cordeiros, que são os responsáveis por segurar as cordas que demarcam os espaços dos blocos, mas se tornam invisíveis em meio à multidão. No último dia de folia, 4, no circuito barra-ondina, esses profissionais denunciaram estar sofrendo com a fome, a chuva e maus-tratos.
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Por medo de represálias, os trabalhadores preferiram que fosse revelado apenas o primeiro nome. Para Clicia, que já trabalha há mais de cinco anos como cordeira e, este ano, trabalhou todos os dias no circuito Dodô, além da folia, precisou lidar com a fome.
“Não é a minha primeira vez trabalhando como cordeira. Este ano eles estão pagando R$ 120, e recebemos após o serviço. Mas, o principal desafio tem sido a fome, a comida está uma me***, estamos aqui desde 17h e até agora [19h] não deram nada. E, nos outros dias, enfrentamos mais de cinco horas de trio com um biscoito recheado e guaraná na barriga”, conta Clicia.
Já a experiência para a caloura Carla foi traumática a ponto de não querer retornar. “Foi a minha primeira vez trabalhando como cordeira e foi uma humilhação, um desrespeito, a própria coordenação dos blocos nos humilha. Tô ganhando R$ 100 por dia e sem transporte. A alimentação é uma porcaria, nos dão um lanche que a gente passa fome, duas águas quentes e um biscoito recheado”.
E adiciona: “Chegamos aqui 11h da manhã e estamos saindo agora [18h] com o trio. E, nem nos deram nada para comer. Sabe lá deus que horas eu vou chegar em casa”, chora em meio a chuva e com o trio elétrico andando.
Além dos problemas com a alimentação, os profissionais enfrentam incertezas quanto ao pagamento. Para Maria, que já trabalha há dois anos como cordeira, o principal problema é a má organização na hora do pagamento.
“Trabalhei no bloco Fissura e falaram que vão pagar depois, trabalhei no de Ivete e pagaram ontem mesmo, hoje estarei no Praieiro e ainda não sei se vão pagar hoje. Deveria ter uma regrar para organizar isso, ajustar um valor bom e digno. Tô chegando aqui de manhã e retornando para casa 22h-23h da noite e ainda enfrentando dificuldades”, reclama Maria.
Em entrevista ao Terra, o Secretário de Justiça e Direitos Humanos da Bahia, Tiago Freitas, falou sobre a necessidade de maiores investimentos para proteger os cordeiros, ambulantes e catadores de itens recicláveis.
“Precisamos investir mais na proteção dos trabalhadores. Este ano, o governo do estado realizou a distribuição de kits de alimentação para ambulantes e cordeiros, criou casas de acolhimento para os filhos dos trabalhadores, mas eles têm razão, pois precisamos nos responsabilizar mais por eles. Uma festa como essa só é possível pelo trabalho dessas pessoas”, pontua Tiago.
Além disso, o secretário traz as grandes empresas para o debate. “Se jogarmos algo no chão, em menos de 20 minutos já está recolhido. Conseguimos dar dois passos e comprar uma bebida. Então, acredito que sim, o governo precisa olhar mais atentamente para esses trabalhadores, e as empresas de cervejaria, além das demais que lucram com essa festa, também precisam olhar para esses profissionais”, encerra.