O Carnaval no Brasil, além de uma grande festa artística popular, é também palco para manifestação política. Se nas ruas os foliões se transformam em personagens e figuras da nossa história passada e recente para mandar seus recados, muitas escolas de samba desfilam com enredos engajados e críticos.
Em 2020, as agremiações cariocas ficaram à frente das paulistas nesse quesito. Mangueira, Portela e São Clemente são as três escolas do Grupo Especial do Rio de Janeiro que escolheram os sambas de enredo com críticas políticas.
Atual campeã do Carnaval, a verde e rosa se posiciona contra os “messias de arma na mão” da sociedade, questionando os supostos salvadores com soluções simples para problemas complexos. A letra sugere uma referência ao presidente da República Jair Messias Bolsonaro.
Já a azul e branco de Madureira diz que sua aldeia “não tem bispo, nem se curva a capitão”, cutucando não só o presidente, mas também o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella. A São Clemente, escola da Zona Sul, por sua vez, relembra o esquema de candidaturas laranjas e as fake news das eleições de 2018.
Outras como Mocidade Independente de Padre Miguel, Salgueiro e Viradouro chegam com temáticas engajadas no âmbito social, exaltando o papel e a força do negro na nossa cultura. Na mesma linha, em São Paulo, Mocidade Alegre, com um enredo sobre o poder feminino, e Tom Maior, que falará sobre negritude, também apresentam consciência social em suas letras.
Para o historiador e pesquisador Luiz Antonio Simas, o maior engajamento nos sambas das escolas do Rio em comparação às de São Paulo é bem mais circunstancial do que uma tendência. O autor de diversos livros sobre sambas e carnavais acredita que o menor apoio do poder público carioca e a crise financeira do Estado permitiram o surgimento de enredos mais autorais e, consequentemente, sambas mais criativos e críticos.
“O samba enredo vai ser mais contundente se o enredo for mais contundente”, diz Simas, que faz parte do júri do Estandarte de Ouro, prêmio tradicional organizado pelo jornal O Globo. “Se o enredo for sobre extrato de tomate, por mais que o compositor possa dar seu molho, não vai sair algo brilhante”, brinca ele. “Quando os carnavalescos propõem enredos mais engajados, a possibilidade de aparecer sambas como os desse ano no Rio é maior”.
A cidade de São Paulo, por outro lado, vive um momento de explosão do Carnaval. Na visão do historiador, o incentivo da Prefeitura aos blocos e aos desfiles no sambódromo do Anhembi criou um ambiente de maior estabilidade para as escolas neste momento.
“A Prefeitura de São Paulo é mais parceira que a do Rio. O Rio tem um poder público hostil”, afirma Simas. “São Paulo é uma cidade mais robusta em comparação ao Rio e, nesse momento, tem um Carnaval muito mais organizado. A liga das escolas de samba de São Paulo conseguiu organizar o Carnaval”.
De uma forma geral, o historiador não vê ineditismo nas obras de 2020, tanto no Rio quanto em São Paulo. Sob a ótica da polêmica na política, Simas destaca o samba da Mangueira, com o enredo “A verdade vos fará livre”, mas também lembra o da Portela (“Guajupiá, Terra Sem Males”), que trata da questão indígena, e o da Grande Rio (“Tata Londirá: o Canto do Caboclo no Quilombo de Caxias”), que critica a intolerância religiosa.
Com relação aos enredos sobre negritude, Simas minimiza a nova leva de sambas, como os do Salgueiro, da Mocidade e da Viradouro, no Rio, e o da Tom Maior, em São Paulo. “Não é exatamente uma novidade, as escolas já trabalharam assim”.
No balanço final, o pesquisador classifica a safra apenas como de bom nível. Para Simas, não há nenhum no mesmo patamar do samba da Mangueira de 2019, quando a escola foi campeã levando os heróis esquecidos de nossa sociedade à Marquês de Sapucaí, com o enredo “História Pra Ninar Gente Grande”.
“Somando todos os sambas de Rio e São Paulo, são sambas de bom nível, mas longe de uma obra prima. Não vejo em nenhum como o da Mangueira do ano passado. Aquele samba, sim, para mim foi uma obra prima”, relembra Simas.