Hoje, muita gente reconhece Mestre Zulu pela voz. O dono da emblemática entonação na leitura das notas das escolas de samba do Carnaval de São Paulo (quem não tenta imitar o 'nota... deeeez'?) passou 30 anos como locutor oficial, mas em 2024 ele afirmou ao Terra que deixará o posto. Na entrevista exclusiva, ele, aos 75 anos, conta um pouco da sua história com o carnaval.
Ainda na adolescência, Antônio Pereira da Silva Neto, seu nome de batismo, estudava em um colégio interno em São Paulo. "Era tipo uma cadeia desbaratinada, um semiaberto, a gente só voltava pra dormir em casa", brincou ele. A escola ficava perto de onde o então cordão Camisa Verde-Branco e ele começou sua história no carnaval servindo água aos funcionários.
"Tive um professor lá dentro, que refundou o Camisa Verde. Esse foi o homem que me ensinou os primeiros passos dentro de um barracão. Lá aprendi serralheria, carpintaria, pintura, tudo", contou ele em entrevista exclusiva para o Terra.
Não demorou para que Zulu fosse para o aprendizado da bateria e ala de passo marcado, e ele se emociona no telefone ao lembrar dos amigos que fez de lá até aqui. "São muitas pessoas boas que passaram, né?", contou ele, que também confidenciou que já ganhou um prêmio de melhor disque-joquei de São Paulo, em 1969.
Por ironia do destino, ele conta que sua família nunca gostou de carnaval e que, na primeira vez que assistiu ao ensaio, chegou a dormir do lado de fora da sua casa. "Minha madrinha era muito rígida. O primeiro dia que acompanhei o ensaio foi bom demais, mas quando voltei pra casa não me deixaram entrar, dormi no tapetinho na frente da porta", conta aos risos.
Formado em radiologia e radiodiagnóstico, Zulu lembra que começou a preparação para a apuração em 1992, apenas como um observador, a fim de cometer a menor quantidade de erros possíveis. E ele garante: nunca errou uma nota.
"Em 1993 foi a primeira apuração. Um amigo com uma caligrafia sensacional ia escrevendo. Eu lia a nota e ele ia colocando, depois a contabilidade fazia os cálculos e pronto. Pensei que o público não tinha gostado, mas me chamaram em 94, 95, 96. Só parei em 2007 e 2021".
Zulu relembra do dia em que invadiram a mesa e rasgaram as notas da apuração em 2012, e do quanto ele diz ter temido pela sua vida. Ele diz que chegou a avisar algumas autoridades que algo de ruim poderia acontecer, mas que nenhum reforço de segurança foi colocado perto da mesa.
"Comentei com um delegado que achava que aconteceria uma confusão e que gostaria de quatro policiais no portãozinho para evitar algum problema. Ele me disse que não aconteceria nada, pra eu ficar tranquilo. Aí fiquei quieto né? Quando a chapa esquentou, o que vejo no chão? Algemas, revólver, rádio, tudo do delegado. Falei na delegacia, se o cara tá armado e dá um tiro na minha testa, já era".
Segundo o locutor, quando o homem pegou o papel de sua mão e saiu rasgando, um dos guardas que estava perto do local "não mexeu nem o branco do olho". "Aquela foi uma das piores coisas que passei. Não fui lá pra brigar com ninguém. Não tinha nada a ver com aquilo, não fui eu que dei nota nenhuma pra ninguém".
Camisa Verde e Branco do coração, Zulu afirma que essa será sua escola até o seu último suspiro e conta que algumas pessoas o reconhecem pela voz. O seu legado, ele diz, está cumprido, assim como sua missão. "Nada subiu à minha cabeça. Deus te usa do jeito que ele quer, não do jeito que você quer".
Ele conta que já chegou em um laboratório para fazer um exame de sangue e as funcionárias pediram para que ele gravasse um vídeo narrando uma nota. E também que uma mulher já o ligou para dizer que seu filho, especial, sorriu pela primeira vez ao ver a apuração do locutor.
"O que valeu, para mim, foi ter levado alguma alegria pra esse povo. Dinheiro nenhum paga isso, são coisas que vou levar para o resto da minha vida. Minha missão foi cumprida. De agora em diante, a vida segue da maneira que quer", celebra.