Um livro narrando a reconquista, em 1625, de Salvador pelos portugueses diante da invasão holandesa. A primeira edição inglesa de um livro sobre piratas com o retrato de Rocky Brasiliano, holandês que foi corsário na Bahia. Óleos, mapas, muitas gravuras. Uma parte importante da história da Bahia pode ser revisitada por meio de primeiras edições de livros e imagens raras que formam o acervo de Flávia e Abubakir. Uma das maiores coleções privadas de arte que vira, agora, um livro.
Iconografia Baiana na Coleção de Flávia e Frank Abubakir reúne, assim, imagens dos séculos 17, 18 e 19. A edição, com organização de Pedro Corrêa do Lago e mais de 2,5 kg, está sendo lançada pela Capivara.
São 269 registros de raros e importantes óleos, uma longa série de aquarelas, sketchbooks, gravuras, livros ilustrados (muitos dos quais existem apenas poucos exemplares no mundo) e alguns dos primeiros mapas do Brasil. A coleção está sob a salvaguarda do Instituto Flávia Abubakir, criado pelo casal Flávia e o empresário Frank Abubakir, acionista majoritário da Unipar Carbocloro.
O início da coleção de arte
A relação de Abubakir com a iconografia e outros itens da coleção é uma herança de seu avô, o empresário Paulo Geyer (1921-2004), mas também da família de sua mulher Flávia. Geyer foi um importante empresário brasileiro que atuou na área financeira e um dos responsáveis pela implantação da indústria petroquímica no Brasil, fundador da Unipar. Ao lado de sua mulher Maria Cecília, construiu uma das mais importantes coleções de arte do País.
Quando Abubakir e Flávia se casaram, as primeiras coisas que entraram na casa dos dois foram gravuras de livros históricos que eles compraram juntos online. Tanto ele quanto Flávia queriam ter em casa itens antigos, garimpados em lojas de antiguidades e comprados de colecionadores. "Ainda não tinha mesa de jantar, mas já tinha esses quadros na parede", lembra o empresário.
Além das imagens da iconografia, o casal coleciona móveis, peças de decoração como castiçais, pinhas, prataria e quadros. E os itens não ficam, necessariamente, parados em um arquivo - apesar de já passarem, ao todo, de 50 mil peças. Eles povoam a casa dos colecionadores, e das filhas deles também. Ou seja, são, ao mesmo tempo, importantes registros da história da arte e peças vivas.
Uma coleção que virou um livro
Quando começaram a reunir as imagens iconográficas, Abubakir e a mulher não tinham noção de onde a paixão por peças históricas chegaria, apesar de já imaginarem que a coleção poderia se tornar maior do que eles imaginavam. Até que, dois anos atrás, após uma conversa com Pedro Corrêa do Lago, o historiador, que acompanha o casal desde as primeiras aquisições, sugeriu que tinha chegado o momento - e número de obras suficiente - para editar um livro. E foi assim que nasceu o volume Iconografia Baiana.
Corrêa do Lago chegou a comentar com Abubakir e Flávia que eles tinham conseguido reunir uma coleção tão grande que ele poderia dizer que era a maior privada do mundo. "Sobre a Bahia, certamente é a maior", reconhece. "E agora ela está consolidada nesse livro e tem chances de ir aumentando um pouco ao longo dos próximos anos", continua o empresário.
Eles seguem adquirindo obras e peças. Segundo informações do Instituto Flávia Abubakir, as novas aquisições, que ainda estão em fase de catalogação, podem aumentar em cerca de 10 mil o acervo que já existe.
Para fazer o livro se tornar realidade, Corrêa do Lago contou com a ajuda de historiadores, que ajudaram a situar as obras e os registros historicamente e escreveram os textos que compõem a publicação, e também da editora Luciana Medeiros.
O recorte escolhido para a obra enfatiza a diversidade de interesses dos artistas estrangeiros pelas terras e populações baianas. Apesar de um volume maior de viagens ter acontecido a partir do início do século 19, após a chegada da Família Real ao Brasil, com a abertura dos portos, antes disso, a Bahia já era visitada por navegadores e exploradores - basicamente holandeses, que reproduziram paisagens e personagens locais.
Esses textos são, então, de autoria de sete historiadores, professores e arquitetos. As apresentações de cada uma das seções são feitas por Daniel Rebouças, professor, historiador e consultor, mestre e doutor em História pela Universidade Federal da Bahia. Ele se refere ao livro como "um marco para iconografia sobre a Bahia e sobre o Brasil de modo geral".
Obras de destaque
Entre os documentos bibliográficos estão, por exemplo, o livro Jornada dos Vassalos, que narra a reconquista de Salvador pelos portugueses diante da invasão holandesa no estado, em 1625, escrito pelo jesuíta português Bartolomeu Guerreiro. Também está lá o clássico Rerum per Octennium in Brasilia, de Caspar Barlaeus, além da primeira edição inglesa do livro sobre piratas, de Alexandre Olivier Exquemelin (c.1645 - c.1707), com o retrato de Rocky Brasiliano, pirata holandês que atuou como corsário na Bahia.
Entre outros itens estão raridades cartográficas como o mapa elaborado por Joos Coecke, engenheiro holandês, durante a ocupação de 1624. Os holandeses tomaram Salvador por um ano, até serem expulsos pelos portugueses. O desenho tem uma precisão bastante significativa, a ponto de corresponder à cartografia atual da cidade, já que foi elaborado por forças militares da época.
Outros destaques são telas a óleo assinadas por nomes importantes como Righini, Selleny, Grenier e Moreaux, entre outros. E aquarelas, das quais destacam-se exemplares de cenas panorâmicas de Manley Hall Dixon e detalhados retratos da vida urbana de Salvador pintados por William Smyth, ambos integrantes da Marinha inglesa de passagem pelo país.
O livro se encerra com gravuras, o maior grupo de imagens. São desde obras ligadas à época dos holandeses até o trabalho de viajantes como Carl von Martius, Rugendas e Maria Graham.
Além do livro, um site
Apesar de não ter um espaço físico para exibir tais obras, grande parte dos itens da coleção - os já catalogados - está disponível online no site do Instituto Flávia Abubakir.
Segundo Abubakir, a divulgação das peças digitalmente tem como objetivo aumentar o alcance dessas obras para estudantes, historiadores e pesquisadores de qualquer lugar do mundo.
Na opinião do casal, esta forma de "expor" as peças é uma evolução. "Não queremos, porque entendemos como anacrônico, esse modelo de museu com as mesmas peças durante 100 anos", comenta Abubakir.
Esse olhar faz com que as peças que ficam armazenadas em Salvador e na Suíça, em um acervo próprio, não fiquem disponíveis apenas para os públicos das cidades onde estão guardadas. Abubakir exemplifica: "Se eu tiver, por exemplo, livro de jesuítas no Japão, algumas coisas muito raras, e mantiver isso em um prédio físico aqui [em Salvador], ele não vai nem saber que existe e não vai acessar", pontua.
Em contraponto, uma vez disponível online, tanto um estudante, pesquisador ou apenas um curioso que goste de história, morando na capital baiana ou em qualquer lugar do mundo, poderá acessar todo a coleção do casal Abubakir, gratuitamente. A única exigência é, caso utilizem as informações em suas pesquisas, que creditem o instituto.
Iconografia Baiana na Coleção Flávia e Frank Abubakir
- Organizador: Pedro Corrêa do Lago
- Editora: Capivara (320 págs.; R$ 195)