Muita gente estranhou quando o diretor Barry Jenkins, vencedor do Oscar por "Moonlight: Sob a Luz do Luar", foi anunciado como diretor de um filme sobre Mufasa na Disney. Afinal, o que um cineasta de projetos independentes tão bonitos quanto "Se a Rua Beale Falasse" poderia querer com a refilmagem fotorrealista de "O Rei Leão"?
Jenkins não vê as coisas dessa forma. Acostumado a trabalhar em muitos projetos ao mesmo tempo, e fã declarado da história de "O Rei Leão", o cineasta considera o filme de Mufasa tão significativo quanto, por exemplo, a excelente "The Underground Railroad", série na qual estava trabalhando ao mesmo tempo em que fazia o filme.
Com lançamento marcado para o dia 19 de dezembro nos cinemas, o novo filme "Mufasa: O Rei Leão" é um prelúdio da versão da história de Simba lançada em 2019, mas conta a infância e juventude de Mufasa de forma que também se aplica à animação original de 1994 e ao musical na Broadway. De passagem pelo Brasil durante a D23, o cineasta conversou com o Terra sobre processo criativo, inspirações e o lugar dos filmes de arte diante de grandes blockbusters hollywoodianos.
Quando foi anunciado que você faria 'Mufasa', as reações do público foram bem diversas. Você pensou nisso quando aceitou dirigir o filme?
Não, eu não estava nem pensando na resposta, especialmente porque eu fiz a escolha de fazer o filme muito antes de o anúncio para a imprensa ser feito. E também porque eu estava bem imerso no trabalho de finalizar "The Underground Railroad", que é um projeto bem diferente. Eu tive um ano trabalhando nas duas coisas ao mesmo tempo. Então, quando foi anunciado, houve uma reação, foi muito surpreendente do ponto de vista externo de uma certa forma.
Eu não pensei que as pessoas se importariam tanto. Mas também foi muito legal porque eu sei o que tem nesse filme, e trabalhando nesses dois projetos ao mesmo tempo, "The Underground Railroad," que é muito significativo para mim, e Mufasa: O Rei Leão, igualmente significativo, isso simplesmente reafirmou a decisão que eu tomei.
Antes de topar dirigir 'Mufasa: O Rei Leão', você conversou com Chloé Zhao e Ryan Coogler, certo? Você poderia me contar um pouco sobre como foram essas conversas?
Conversei sim. Parte disso para mim foi puramente logística, sabe? Um dos outros repórteres me perguntou como é a sensação de ir de um filme de orçamento muito pequeno para um filme de orçamento muito grande. E quando falei com a Disney sobre fazer esse filme, era puramente sobre eu precisar trazer todo o meu pessoal, meu cinegrafista, meu montador, meus produtores. Eu preciso ter certeza de que posso fazê-lo na minha voz. E então eu conversei com Ryan e Chloe apenas sobre esse processo, e eles foram muito afirmativos. E a outra coisa foi apenas aprender todas essas novas ferramentas para fazer o filme, se havia uma maneira de dobrá-las para que pudéssemos fazer filmes do jeito que sempre fazemos. E então foram conversas muito, muito práticas com Chloe e Ryan sobre isso.
E como você fez para colocar a sua própria voz em um filme que é parte de uma franquia tão grande quanto 'O Rei Leão'?
Sabe, é muito legal. Eu acho que às vezes, como artista, você pode trabalhar com total liberdade. Não há restrições, certo? Normalmente, quando o orçamento é bem baixo, você está trabalhando quase como se fosse uma tela em branco. Você pode pintar qualquer coisa.
Porém, quando você trabalha com personagens que já existem, não dá para transformar Mufasa em algo completamente diferente do que ele é. Você não pode transformar Scar em algo completamente diferente do que ele é. O que você pode fazer é revelar coisas que o público não sabia ou não suspeitava sobre como eles se tornaram as pessoas que são.
Eu achei esse desafio tão gratificante quanto o desafio de não ter nada, sem restrições. Na verdade, de certa forma, te inspira mais como artista a ser criativo e descobrir maneiras de criar essas coisas diferentes, sabe, dentro do tipo de base de quem o personagem é. Para mim, o que foi realmente legal nisso é que as pessoas sabem muito sobre Mufasa. As pessoas presumem muito sobre esse personagem. Como contador de histórias, isso te dá um ponto de partida. Então, se eu fizer algo com esse personagem, eu sei que você vai reagir a isso porque você tem toda essa história com ele. Não sei, eu achei que foi algo muito útil. Foi muito inspirador.
Você acha que haverá uma cena nesse filme que fará as pessoas dizerem: 'Ah, ali, isso é totalmente Barry Jenkins'?
Sim, eu acho que sim. Um amigo meu, um dos animadores do filme, que também fez o de 2019, me disse: 'Sabe, Barry, sempre que você faz uma obra de arte, você deve ser capaz de apontar para ela. Se você colocá-la na parede, se você colocar o filme na parede, você poderia ir e apontar para ele e dizer, ali, é onde eu estou. E quanto mais você consegue fazer isso, mais sucesso terá em fazer esse filme'. E posso pensar agora, e já vi o filme muitas vezes, posso pensar em 47 lugares onde, se me dessem a escolha, eu colocaria meu dedo no filme e diria: 'Ali. É onde eu estou'. Alguns deles o público saberá imediatamente, e outros acho que serão surpreendentes. Haverá novas descobertas. Então, absolutamente sinto isso.
Você acredita que filmes de franquia como 'Mufasa: O Rei Leão' podem ser uma fonte de criatividade ou eles existem para permitir que os 'Moonlights' da vida também possam ser feitos?
Ah, não, eu acho que eles são um recipiente criativo. Sabe, nem penso nisso como tal. Essa foi uma das coisas que me inspirou muito quando conversei com Ryan [Coogler]. Eu conheço Ryan desde antes mesmo de "Fruitvale Station: A Última Parada". Agora, tem toda essa nossa jornada com "Creed", "Pantera Negra"...
Quando perguntei a ele o que achava de eu fazer esse filme, ele disse: "Bem, por que você está me fazendo essa pergunta?" E eu disse: "Porque a pessoa que fez 'Moonlight', essa pessoa faz Mufasa?" Ele respondeu: "Mas eu nunca penso em mim dessa forma."
E então ele continuou: "A pessoa que fez 'Fruitvale Station' é a mesma pessoa que fez 'Creed' e 'Pantera Negra'. Se você entrar nesse filme com a energia certa, se você entrar nesse Mufasa com todo o seu ser,
Então, não penso nos filmes como um recipiente para nada, especialmente porque fiz 'Moonlight'. Sabe, se eu quisesse fazer um filme daquele jeito novamente, com certeza faria. Se eu quisesse fazer um filme como esse novamente, também faria. Desde que eu sentisse que poderia realmente colocar minha voz e meu verdadeiro eu nele.