Diversidade no júri, seleção oficial e mostras paralelas marcam a 69ª edição do festival internacional de cinema. Após anos de vacas magras, Brasil concorre com Aquarius, e Alemanha, com Toni Erdmann.
Os olhos do mundo cinematográfico estarão mais uma vez concentrados numa cidadezinha do sul da França na noite desta quarta-feira (11), quando se inicia o 69º Festival Internacional de Cannes. Por 12 dias, toda o setor se acotovela ao longo litoral do Mediterrâneo: de starlets a grandes astros, de poderosos produtores a sensíveis personalidades artísticas.
A seleção oficial traz grandes expectativas, reunindo figuras do porte de Pedro Almodóvar (Julieta), Xavier Dolan (Juste la fin du monde), Jim Jarmush (Paterson), Ken Loach (Moi, Daniel Blake), Park Chan-Wook (Agassi) e Sean Penn (The last face).
Jogando em casa, nada menos do que quatro produções francesas concorrem à Palma de Ouro, assim como duas romenas (Bacalaureat e Sieranevada) e uma iraniana (Forushande, do vencedor do Oscar Asghar Farhadi).
Brasil e Alemanha de volta à competição
Depois de uma pausa de oito anos, o Brasil volta a marcar presença na mostra competitiva. Aquarius, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, é estrelado por Sônia Braga, que interpreta uma viúva que vive cercada de discos e livros e tem o tom de viajar no tempo. Um papel que a atriz veterana revela ter encarado com entusiasmo: "Quis logo viver esta mulher: as palavras do roteiro pareciam que já tinham andado na minha boca."
O cinema alemão também enfrentou longos anos de vacas magras até ser incluído na atual seleção oficial. A jovem diretora Maren Ade mostra Toni Erdmann, um drama de reencontro entre pai e filha, tendo como protagonistas Sandra Hüller e Peter Simonischek. Ao anunciar a escolha, o diretor do festival, Thierry Frémaux, se disse feliz por poder saudar uma nova geração da Alemanha, depois da "equipe de sonhos em torno de Herzog, Schlöndorff e Wenders".
Além disso, há três coproduções com participação alemã na mostra competitiva deste ano: Ma loute, de Bruno Dumont, e Personal shopper, de Olivier Assayas, ambos franceses, e Elle, do holandês Paul Verhoeven.
Sob o rótulo New German Films, 23 novas produções se apresentam ao mercado global do cinema em Cannes. E o German Pavilion, na disputada Promenade de la Croisette, será ponto de encontro para a cena cinematográfica nacional e internacional.
Alto coeficiente estelar
Presidido pelo cineasta australiano George Miller (Mad Max), o júri de Cannes deste ano é bastante internacional, incluindo as atrizes e atores Kirsten Dunst, Mads Mikkelsen, Vanessa Paradis e Donald Sutherland, e os diretores László Nemes e Arnaud Desplechin. A entrega dos prêmios será em 22 de maio.
Faz parte do ritual de Cannes os diretores concorrentes serem convidados para divulgar suas obras, em geral acompanhados por um séquito de colaboradores, onde o lugar de honra cabe aos astros do elenco. Em 2016, Charlize Theron, Isabelle Huppert, Russel Crowe, Javier Bardém, Kristen Stewart e Vincent Cassel brilham entre os mais paparicados pela imprensa.
Outro atrativo são as sessões hors-concours de novas produções de cineastas consagrados. Ninguém menos do que Steven Spielberg apresenta, com O Bom Gigante Amigo, dirigido ao público infanto-juvenil e baseado no livro homônimo de Roald Dahl. E a atriz Jodie Foster vem com seu quarto trabalho de direção, o thriller Jogo do dinheiro, estrelado por George Clooney e Julia Roberts.
Um olho na política mundial
No entanto, Cannes é mais do que VIPs, competições e exibição de Palmas. Nas mostras – paralelas, mas nem por isso menos famosas – Un Certain Regard e La Quinzaine des Réalisateurs, não é o peso da fama que conta, mas sim jovens talentos e descobertas.
Selecionado entre mais de 5 mil inscrições, um outro brasileiro disputa a Palma no Cannes Court Métrage. A moça que dançou com o diabo é inspirado na lenda urbana sobre uma jovem religiosa que dança com um forasteiro na noite da Sexta-Feira da Paixão. O curta custou apenas 500 reais, arrecadados através de rifas. Seu diretor, João Paulo Miranda, já participara em 2015 do festival francês, na seção Semaine de la Critique.
Apesar de não ter um perfil eminentemente político como a Berlinale, Cannes tampouco fica completamente à margem dos temas mais atuais e explosivos. Oscar de melhor documentário em 2015 com Citizenfour, sobre o whistleblower Edward Snowden, a diretora americana Laura Poitras apresenta seu mais recente trabalho, Risk, sobre Julian Assange, na seção Directors.
O sírio Maan Mouslli estreia o documentário de curta-metragem Shakespeare in Zaatari, sobre crianças no maior campo de refugiados da Jordânia. Hoje com 29 anos, o próprio cineasta chegou à Alemanha em 2013 como refugiado e reside em Osnabrück. A seção Short Film Corner conta também com duas contribuições do Brasil: o documentário Deixa a chuva cair, de Juscelino Ribeiro, e o curta-metragem Luz clara, de Alexandre Melo.
Cortejando a tradição
No entanto o festival que abre sua 69º edição com Café Society, a mais nova película de Woody Allen, não se esquece de pagar tributo às grandes personalidades da sétima arte. Em Cannes Classics, o diretor Bertrand Tavernier, que acaba de completar 75 anos, mostra sua homenagem ao cinema nacional, Voyage à travers le cinéma français, em estreia mundial.
Nos anos 70, William Friedkin escreveu história em Hollywood com fenômenos de público e crítica como Operação França e O exorcista. Em 2013, o cineasta nascido em 1935 foi homenageado pelo conjunto de sua obra no Festival de Veneza. Em Cannes ele partilha sua vasta experiência numa Cinema Masterclass, evento que já enfocou Martin Scorsese, Nanni Moretti, Wong Kar-wai e Quentin Tarantino, entre outros.
Nomes honoráveis como Milos Forman, Jean-Luc Godard, Kenji Mizoguchi e Andrei Tarkovsky estão entre os destaques de Restored Prints, que também integra a Cannes Classics. A série é dedicada a versões digitalmente restauradas de obras primas da tradição cinematográfica mundial.