Deserto do Atacama, Chile, anos 1960. Uma família, formada por quatro filhos, pai e mãe, vive os dias pensando no domingo. Não, não é dia de igreja, mas de cinema - é o único dia que o pai pode parar o trabalho na mina e levar todos os filhos para assistir a um filme. Mas tudo muda quando o patriarca sofre um acidente e o cinema deixa de ter espaço. A esperança é a filha, que continua indo aos cinemas e, na volta, conta a história do filme a todos. Essa é a trama de A Contadora de Filmes, que estreou no Brasil na última quinta-feira, 28.
Dirigido pela dinamarquesa Lone Scherfig (Educação), o longa é assumidamente uma obra globalizada. Além da cineasta nórdica, o roteiro conta com dois espanhóis (Rafa Russo e Isabel Coixet) e com o brasileiro Walter Salles (o diretor de Ainda Estou Aqui).
Já o elenco passa pela argentina Bérénice Bejo, que vive a matriarca; o espanhol Antonio de la Torre, que faz o pai; o teuto-hispânico Daniel Brühl, que é o chefe da mina; e, por fim, a única chilena do grupo, a jovem protagonista Sara Becker, que interpreta a "contadora de filmes".
Nessa mistura, o longa-metragem é uma obra inegavelmente universal, que trabalha em prol de conectar os espectadores com uma espécie de emoção única - sempre, claro, por meio do cinema.
É discutível que o filme passa por uma certa pasteurização, nessa busca desenfreada em ser global, mas também funciona justamente por ser uma peça para ser compreendida por espanhóis, dinamarqueses, brasileiros. Quando María Margarita sobe em um pequeno palco e conta a história de um filme, fica difícil não se conectar com aquilo.
Há algo de Cinema Paradiso no filme. Afinal, conforme o cinema une e cria memórias, a história daquela família atravessa o cinema e nós, espectadores, criamos memórias aqui.
Outro ponto a ser observado é a atuação: o elenco, mesmo passando por quase meia dúzia de idiomas, funciona bem. Há uma tragédia intensa na atuação de Antonio de la Torre (Balada do Amor e do Ódio), enquanto Bejo (O Passado) traz um drama em busca de saídas e de oportunidades.
A luz do filme, porém, se concentra nas atrizes que vivem María Margarita. Tanto a pequena Alondra Valenzuela quanto a jovem Sara Becker trazem o tom que o filme precisa: o sonho atravessado pela aspereza crua do deserto do Atacama.
Desejo de ser literatura
O grande entrave de A Contadora de Filmes está, infelizmente, no roteiro e na forma que a diretora encara o tom literário da obra. Tentando soar como uma espécie de épico dentro da jornada de María Margarita, o longa-metragem coloca muito texto dentro das cenas - seja com narração ou com diálogos expositivos. Parece que tudo precisa ser explicado, esmiuçado.
Com isso, o longa-metragem não flui e, pior, atravanca bastante essa emoção que poderia ser tão global e natural. Quando estão percebendo a magia das palavras (e do cinema), os familiares de Margarita precisam externalizar isso sempre de maneira exagerada, colocando em palavras o que estão sentindo. O filme, assim, passa por uma racionalização vazia.
A Contadora de Filmes, assim, fica em uma gangorra. Em alguns momentos, faz com que os sentimentos do espectador sejam naturalmente conectados com a trama, com os personagens, com a jornada da garotinha. Porém, em outros, essas emoções deixam de jorrar pela necessidade de explicar tudo. Uma pena.
No final, mesmo com a globalização da produção e a trama sobre como histórias influenciam vidas, o longa termina no erro mais primário de todos: não deixar a história simplesmente existir e acontecer.