Mel Gibson é um nome de Hollywood mergulhado em polêmicas - ultraconservador, chamou o Papa Francisco recentemente de apóstata, já fez declarações antissemitas e homofóbicas e foi condenado por dirigir embriagado. Não é um nome querido por seus pares. Ainda assim, Gibson continua emplacando projetos como diretor: agora, nove anos após Até o Último Homem, o astro lança Ameaça no Ar, estreia da última quinta-feira, 23.
Com cara de anos 1980, o longa-metragem conta a história de uma agente federal (Michelle Dockery) que precisa transportar um preso (Topher Grace). Ex-contador de um chefão do crime, ele vai virar testemunha em um importante processo. O que não os dois não contavam é que o pequeno avião fretado pelo FBI viraria um verdadeiro campo de batalha após um mercenário (Mark Wahlberg) matar o verdadeiro piloto e tomar conta da aeronave.
A premissa é realmente boa. Assim como outros filmes de ação que se passam inteiramente dentro de aviões, como Sem Escalas, Ameaça no Ar sabe brincar com esse sentimento claustrofóbico do espaço em que os personagens se encontram. E mais do que isso. Como o avião é pequeno, apenas com esses três passageiros, surge o inevitável dilema de entender quem pilotará o avião, pensando que quem o comanda é um criminoso.
Um filme ultrapassado
O problema de Ameaça no Ar, assim, passa longe de sua concepção. O "x da questão" mora, na verdade, em todo seu desenvolvimento. Para começar, o inexperiente roteirista do longa, Jared Rosenberg, faz um texto recheado de artificialidades, com diálogos e atitudes que não combinam com coisas que foram faladas ou mostradas antes. A conta não fecha.
Gibson, enquanto isso, está mergulhado em um cinema ultrapassado, em que a ação é fruto de inconsequências delirantes de seus personagens. Nada é bem dirigido, a começar pelas cenas de pancadaria, em que a tensão nunca é criada por conta de desfechos óbvios. O problema passa ainda pela facilidade com que os personagens se adaptam ao ambiente adverso, nunca dando espaço para as atuações, e chegam até a falta de cuidado com a continuidade.
Tudo isso faz com que Ameaça no Ar vire uma sopa de cinema de ação dos anos 1980, no pior dos sentidos.
Um exemplo: logo no começo, o personagem de Topher Grace diz que precisa ir ao banheiro e pede para que a agente tire suas algemas - fazendo uma piadinha que, se não tirar, ela precisa lidar com a "papelada". Dockery, então, se vira para dois policiais que a acompanham e diz, em tom exageradamente duro, que "tem serviço para eles". A música cresce e aparece o letreiro apresentando o título do longa-metragem.
Chega a ser patético: assim como Mel Gibson em suas declarações, o texto do filme inicia com um tom levemente misógino, sem qualquer conexão com a realidade.
E um aviso: os erros de direção e roteiro de Ameaça no Ar perduram até o último instante, com personagens tomando decisões absurdas (ou simplesmente burras) e tudo se resolvendo facilmente. Os erros de texto até poderiam ser corrigidos com boa direção e boas atuações, mas nem isso - Wahlberg e Grace estão caricatos enquanto a ótima Michelle Dockery desaparece em uma montanha de apatia que a engole totalmente.
Gibson, assim, passa longe dos bons trabalhos de direção que teve no passado, em títulos como Coração Valente, Apocalypto e A Paixão de Cristo. Vendo o resultado deste seu novo filme, e os comentários que ele anda despejando por aí, dá até um arrepio pensar em seus próximos dois projetos como diretor, voltando ao mundo de Jesus Cristo e sua ressurreição.