Como dois amigos cinéfilos voltaram de Cannes com filme japonês na mala - e o levaram até o cinema

Até onde você iria por uma paixão? Desafiaria sua família e faria o contrário do que todos esperam de você? Aceitaria fazer um "esporte de garota" só para se sentir realizado? Ou, quem sabe, iria até o outro lado do oceano participar de um dos maiores festivais de cinema do mundo e compraria um filme?

Amizade nasceu por causa da sétima arte

Foi no Festival de Cannes de 2024 que a história de Takuya cruzou o caminho dos amigos Chico e Michel. Os dois, apaixonados pela sétima arte, já tinham uma relação com o cinema, que incluía blogs de críticas e o podcast Cinema na Varanda, em que os dois dividiam a apresentação com Tiago Faria.

"A gente se conectou através da cinefilia, por causa disso, a gente investe muita parte do nosso dia nessa paixão", conta Michel, explicando como os dois acabaram se encontrando, apesar de morarem em cidades diferentes no início da amizade. "Começou nos blogs, e depois a gente criou um podcast juntos; foram mais de sete anos gravando semanalmente e falando de cinema", continua.

Entre as conversas dos dois, um assunto surgia de forma recorrente: a ausência de determinados filmes nos cinemas brasileiros e o trabalho das distribuidoras -- as empresas responsáveis por fazer com que produções cheguem 'as telas. "Então, a gente achou que valia a pena nos aventurar e fazer essa coisa de cinéfilo para cinéfilo, trazer filmes que a gente achava que não iam chegar aqui e que tinham alguma coisa especial", complementa.

Considerado o maior festival de cinema do mundo, Cannes é como uma Meca para os cinéfilos. São mais de 50 filmes exibidos, incluindo aqueles que participam da mostra competitiva. Além disso, o festival conta com rodadas de negócios, onde direitos de filmes são comercializados. Foi assim que Sol de Inverno foi parar nas mãos da Michiko Filmes.

"Quando a gente estava se reunindo para entender como seria essa viagem foi que veio a ideia: e se se a gente comprasse um filme para distribuir, como seria? Chegamos lá com essa essa ideia, mas nada muito concreto ainda, assistimos ao filme e achamos muito bonito, delicado", conta Chico. "Ficamos encantados e pensamos: esse não é apenas um filme bom, ele tem potencial de mercado", continua o crítico.

Depois disso, vieram as negociações. Como Michel trabalha com comércio exterior, ele já tinha as manhas de como fazer transações - apesar de seu foco principal ser o ramo alimentício. "Resolvemos fazer uma proposta, Michel voltou com as informações e nós resolvemos entrar e fazer essa experiência; passamos uns meses negociando e, no final, rolou", explica Chico.

Mas que caminho é esse?

Depois que um filme fica pronto, a produtora negocia com as distribuidoras, que costumam comprar os direitos para uma região ou país. Foi o que aconteceu com Sol de Inverno e a Michiko Filmes, que comprou os direitos por sete anos. Isso significa que, durante esse período, Chico e Michel vão poder negociar a exibição em salas de cinema e plataformas de streaming.

Inicialmente, o filme foi exibido em alguns festivais por aqui, como a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro do ano passado. Ele chegou inclusive a outras cidades do estado, como parte da programação itinerante do evento. Agora, Sol de Inverno está oficialmente em cartaz em salas de cinema, principalmente naquelas que exibem filmes de arte.

Mas, para aparecer nas salas, um filme depende da disponibilidade e desejo das exibidoras em colocar uma produção em cartaz e isso depende, por sua vez, da capacidade daquele filme de gerar lucro. Afinal de contas, cinema também é mercado.

"Tem filmes de milhares e milhares de dólares, imagina comprar Megalópolis [de Francis Ford Coppola, que foi lançado no ano passado]?", brinca Michel. Sol de Inverno é um filme que conquistou os amigos, mas também coube no orçamento deles -- o valor exato, eles não revelam.

A beleza de Sol de Inverno é a principal aposta dos amigos na carreira do filme nos cinemas. Eles contam que as primeiras exibições, tanto na Mostra quanto na pré-estreia, que aconteceu no último fim de semana, mostraram que o filme tem público. Agora, os dois apostam que o longa ganhe algumas semanas em cartaz e mantêm a esperança de que ele consiga conquistar mais espectadores.