Trabalho todos os dias imersa no universo masculino dos negócios e, apesar de minha empresa ser composta 85% por mulheres, a maior parte das minhas reuniões com clientes acontece com homens, diretores e presidentes que resolvem caminhos e orçamentos. Nesse ambiente masculino, apesar dos ajustes de imagem que o tempo ajudou a construir, a visão da mulher ainda é cercada de estereótipos que, de alguma forma, também me moldaram. Quando esta semana fui ver o incrível filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, e me deparei com a inacreditável Eunice Paiva, meu coração se encheu de admiração e assombro genuínos.
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Eunice uniu com harmonia a imagem da mulher perfeita do meu universo pessoal particular à outra que tenho construído com determinação. Descobri com Eunice a possibilidade de essas duas mulheres serem a mesma mulher, apesar dos papéis diferentes. A Eunice da segunda parte da vida carregava em si as mesmas qualidades da Eunice da primeira parte; tudo já estava lá, sendo apenas usado em outro ambiente.
A Eunice do começo do filme é a dona de casa diligente que orquestrava o cotidiano de uma vida com 5 filhos educados com firmeza, presença e amor, mas que também estava pronta para uma relação romântica e de parceria com o marido. Essa vida tão familiar que também tive na minha infância e adolescência em uma casa, no caso, com nove irmãos e um entra e sai constante, foi permeada pela figura da minha mãe, a mulher perfeita que nos guiava e educava enquanto se equilibrava para dar atenção ao meu pai provedor.
O que eu intuía, mas não tinha visto até então, é que essa mulher tão perfeita em seu espírito dedicado à família e a causas domésticas poderia abrigar dentro dela uma outra, tão perfeita quanto a primeira, no poder de orquestrar uma outra vida - sem se transformar em uma mulher caricata para sobreviver no mundo masculino.
Eunice é pragmática nas decisões da casa e com os filhos e leva esse pragmatismo para a vida fora de casa. Não se vitimiza, não vitimiza os filhos diante do absurdo a que a família é submetida. Não culpa o marido e não busca outro homem para prover, transformando-se ela mesma na provedora. Enxerga com clareza os tempos e compassos da vida que ela tem de reconstruir. Faz essa transição se mantendo em pé e funcional, apesar da ruptura vertiginosa a que é brutalmente submetida. E se mantém dona de si mesma. Obrigada, Eunice.