Um terror com aranhas. Essa é a descrição mais simples e breve que pode ser feita de Infestação, longa-metragem francês que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 10. Mas só falar isso seria um reducionismo absurdo: o diretor Sébastien Vanicek, em outra boa experiência de estreia desta semana ao lado de Anna Kendrick com A Garota da Vez, faz o impensável e transforma essa história, aparentemente boba e simples, em uma provocação.
Mas vamos por partes. O filme começa com Kaleb (Théo Christine) comprando uma aranha para sua coleção de animais - em seu apartamento, ele cria escorpiões, cobras e afins. Só que já na primeira noite da tal aranha dentro de casa, o pior acontece. Ela foge. Sem saber onde o animal foi parar, o rapaz toca sua vida. Vai na festa de despedida de uma vizinha, revê amigos, discute com desafetos. E aí que está a virada de chave: a aranha não só escapa, como se reproduz. Centenas (ou milhares?) de aranhas começam a tomar conta do prédio.
É daí que vem o título do filme. Infestação, na tradução do português. As aranhas estão por todos os lados. Dentro do tênis, saindo do sistema de ventilação, escondida dentro de uma caixa. É a deixa perfeita para fazer com que desperte aquela aracnofobia adormecida dentro de cada um. "Estou sempre interessado em saber por que as pessoas têm medo de alguma coisa", diz o diretor, ao ScreenRant, explicando que não entende o medo de aranhas.
Mesmo sem compreender isso, Vanicek sabe como despertá-lo. Ele entende as principais situações em que aranhas surgem e mexe com isso. Dá até para escapar do susto em alguns momentos, mas a aflição está sempre ali, com as pernas das aranhas tomando conta do enquadramento ou, então, desfocadas ao fundo. Você sabe que elas estão lá.
Aranhas sociais
A grande sacada de Infestação, porém, não está nesse trabalho em criar um clima de medo desses bichos de oito patas. Não. Repare no título do filme em francês, o original: Vermines. Vermes, em tradução livre. Pode ser "pragas" também. Ao falar das aranhas, e dessa tal infestação, o cineasta e roteirista fala também sobre como os franceses veem essa camada da população que está retratada aqui. Os refugiados, os pobres, os pretos, os periféricos.
"Não gostamos que tenham oito pernas, que eles possam se mover rápido, que eles possam ir de um lado para o outro, que eles possam pular. E isso é xenofobia. Você julga alguém pela sua aparência", continua o diretor, ao ScreenRant. "É um paralelo interessante com aranhas, porque elas são julgadas por suas aparências, assim como as pessoas dos subúrbios são julgadas por onde elas vêm. Eu trato meus personagens como as aranhas."
A polícia, assim, não está trabalhando em prol desses moradores do subúrbio francês. Eles tentam apenas lacrar o espaço para que morram ali - uma cena no estacionamento do prédio é particularmente desesperadora. Os vermes, as pragas, são, então, os esquecidos?
Já ao final do filme, num sobressalto, voltou à minha mente o bom filme francês Os Miseráveis, de Ladj Ly. Também fala sobre pessoas acuadas em um subúrbio, com muita discussão urbana e social. Onde essas pessoas se encaixam? Elas podem se rebelar? Infestação parece continuar essa discussão, apontando para o fato de que essas pessoas não são naturalmente perigosas, mas podem ser se ameaçadas. Como aranhas.
Há uma certa melancolia no tom de Vanicek que, inclusive, atrapalha um pouco o longa no resultado final, ao investir em alguns dramas que não funcionam de verdade - desaceleram a narrativa e deixam algumas passagens mais esquecíveis. Ainda assim, sobra um grito de guerra das aranhas contra os predadores. E fica a pergunta no final: quem vai sobrar dessa infestação? E, afinal de contas, qual é a verdadeira infestação que existe nos dias de hoje?