Arnaldo Jabor faz parte da segunda geração do Cinema Novo. Isso quer dizer que, quando se inicia no movimento, este já está praticamente encerrado. Seu primeiro curta, O Circo (1965), e o primeiro longa, o também documentário Opinião Pública (1967), se dão ainda no interior do movimento integrado por Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Cacá Diegues, de quem era amigo pessoal. Mas, segundo Diegues, já não há mais sentido falar em Cinema Novo após o Ato Institucional número 5, de 13 de dezembro de 1968.
Em Opinião Pública, Jabor realiza uma preciosa prospecção da mentalidade da classe média brasileira. Dirige esse longa com a maestria adquirida como assistente de direção de Cacá, em Ganga Zumba, e de Leon Hirszman, em Maioria Absoluta, dois títulos emblemáticos do Cinema Novo.
O documentário prepara o cineasta que, com Pindorama (1970), faz o seu primeiro longa de ficção. Ou, seria melhor dizer, sua alegoria sobre um país chamado Brasil, na época sufocado por uma terrível ditadura. Os cineastas, e outros artistas, não tiveram outra alternativa nesta época senão adotar a linguagem alegórica como estratégia para driblar a censura. Jabor não foi exceção. Levando o discurso alegórico ao limite, o filme não convenceu. Foi fracasso de público e de crítica.
Em seguida, e talvez em resposta a essa primeira e problemática incursão ficcional, Jabor dá início a um intenso e profícuo diálogo com o dramaturgo Nelson Rodrigues, de quem assimila temas, estilo e talvez visão de mundo. Toda Nudez Será Castigada passa pela melhor adaptação de Nelson Rodrigues para o cinema, em que pese este ter sido vertido para a tela grande por mestres como Nelson Pereira dos Santos (Boca de Ouro) e Leon Hirszman (A Falecida). Mas Jabor, com Toda Nudez, impregna-se para valer do expressionismo suburbano de Nelson e conta com a interpretação iluminada de Darlene Glória. O filme é um escândalo de bom. Conquista um Urso de Prata no Festival de Berlim.
O diálogo com Nelson prossegue na adaptação do romance O Casamento, que, levando a exasperação ao abismo, flertando com o grotesco e o histérico, não alcança a mesma altura de Toda Nudez Será Castigada. Mas não se trata de obra a ser desprezada, muito pelo contrário, e merece uma revisão. O próprio diretor a remontou quando lançou sua obra (então) completa em DVD.
Deixando o universo de Nelson Rodrigues, em Tudo Bem Jabor tenta novamente a linguagem alegórica, desta vez de forma muito feliz. Faz de uma família de classe média espécie de microcosmo que comentaria a sociedade brasileira em seu conjunto, com sua alienação, preconceitos e limitações. Num apartamento em reforma em Copacabana, estabelece a dialética entre donos da casa e empregados, como forma de metaforizar a sociedade de classes nacional. Em tom cômico, realiza um bem-humorado e agudo corte transversal das nossas contradições e expõe o ridículo das nossas ambições.
Influenciado pela psicanálise, e atento à sociedade do espetáculo que aos poucos se impõe ao subdesenvolvimento brasileiro, realiza Eu Te Amo (1981), acerto de contas do casal Paulo César Pereio e Sônia Braga. O filme, com 3,5 milhões de ingressos vendidos, foi um dos grandes êxitos do cinema nacional nos anos 1980. Com Eu Sei que Vou Te Amar (1986) apura o sentido de psicodrama que existe em toda relação conjugal, com Thales Pan Chacon e Fernanda Torres formando o problemático casal. Fernandinha ganhou uma Palma de Ouro em Cannes por sua interpretação, em 1986.
Nos anos 1990, desiludido com os rumos do cinema brasileiro, na prática destruído durante a gestão de Collor de Melo na presidência, Jabor volta-se para o jornalismo como alternativa profissional. Escreve para Folha de S. Paulo, O Globo e Estadão, no qual mantém uma crônica semanal no Caderno 2. Abre também espaço no rádio (CBN) e na televisão (Rede Globo) para sua verve política. Lança várias coletâneas de seus escritos, que, como suas diatribes televisivas e radiofônicas, angaria fãs e detratores. Jabor era um polemista, no pior e no melhor sentido do termo. No melhor, porque não tinha papas na língua, falava o que lhe dava na telha e não tinha medo de briga. No pior, porque, em geral, polêmicas provocam mais calor que luz e não comportam nuances, uma vez que nada se pode conceder ao adversário. De Nelson Rodrigues, que tão bem adaptou para o cinema, guarda o gosto pelo exagero, pelo paroxismo, pela frase de efeito. O pensamento, que parece sempre propenso ao apocalipse, faz dele figura marcante, amado ou odiado.
Quando se pensava que o Jabor jornalista jamais voltaria a dirigir, eis que anuncia novo filme, A Suprema Felicidade (2010), de tom memorialístico e nostálgico. Desta vez, o personagem principal é o próprio Eu do autor, sua infância carioca, as experiências da primeira juventude. Não se trata de obra autobiográfica, se por isto se entender uma fidelidade absoluta (tanto quanto possível) sobre aquilo que se passou, experimentou e testemunhou. A Suprema Felicidade é mais uma autobiografia inventada, reconstruída a partir da memória afetiva de um homem de 70 anos a partir dos verdes anos de sua vida. Tem sua beleza, embora se ressinta da falta de fluidez provocada, provavelmente, pelos anos de inatividade.