Neste domingo (9), o Globo de Ouro dá a largada à temporada de prêmios do cinema americano. Mas, desta vez, sem a tradicional festa. Os vencedores serão anunciados em um evento só para os membros da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood. Nenhuma celebridade do primeiro time aceitou participar.
A entidade organizadora da premiação passou a ser execrada após denúncias de nomeações em troca de privilégios (viagens pagas, presentes luxuosos, banquetes etc.), venda de votos e racismo - até então, nenhum dos votantes era negro, e um e-mail com crítica aos movimentos antirracistas foi vazado.
O canal NBC cancelou a transmissão deste ano e várias agências de atores se uniram em boicote. O escândalo midiático destruiu a credibilidade do mais simpático prêmio de Hollywood. Era o preferido da maioria dos atores, diretores e produtores. No formato de jantar de gala, oferecia champagne à vontade e comida cara (não necessariamente boa) no salão do hotel Beverly Hilton, em Beverly Hills.
O clima descontraído estimulava piadas, autoironia e fofocas. Entre um brinde e outro, risadas e flertes. A síntese da vida glamourosa dos famosos, ricos e poderosos do cinema. Graças ao efeito do álcool, o Globo de Ouro sempre rendeu momentos curiosos. A transmissão pela TV era mais interessante de ser vista do que a exibição interminável do Oscar.
Tudo isso é passado. Apesar da desesperada tentativa de reverter a crise de imagem, a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood não sensibilizou a classe artística nem a mídia. Há de se admitir que o Globo de Ouro foi usado, sim, como bode expiatório em um momento histórico de reação contra discriminações na sociedade e falcatruas na indústria do entretenimento.
Ingenuidade acreditar que somente os membros daquela entidade se deixavam influenciar por gratificações e fingiam não ver a hegemonia branca ao seu redor. Tudo de antiético que acontecia no fechado grupo de jornalistas estrangeiros ocorria também, até em maior grau, em outros prêmios importantes. Os recentes esforços para promover a inclusão de negros e outras etnias entre os votantes, e o aumento das ações filantrópicas, não serão suficientes para reabilitar o evento.
Mesmo que volte a ser televisionado e atraia novamente uma parte dos ídolos das telas, o Globo de Ouro jamais terá a mesma aura festiva, tampouco igual prestígio. Astros e estrelas não têm mais o desejo de conquistar a charmosa estatueta dourada. Tom Cruise virou o símbolo do desprezo pela honraria: devolveu seus três prêmios.
Na cerimônia de 2016, um episódio roteirizado ressaltou a importância exagerada que se dá a esse tipo de premiação e o egocentrismo dos artistas. “O vencedor de dois Globos de Ouro, Jim Carrey”, anunciou o locutor. O comediante entrou no palco. “Eu sou o vencedor de dois Globos de Ouro, Jim Carrey. Quando vou deitar à noite, não sou só um cara indo dormir. Sou o vencedor de dois Globos de Ouro, Jim Carrey, indo ter seu merecido fechar de olhos”, ironizou.
“E quando eu sonho, não é qualquer sonho. Não, senhor! Eu sonho ser o vencedor de três Globos de Ouro, Jim Carrey. Porque aí eu serei bom o bastante”, disse, provocando risos na plateia recheada de frívolos. Ninguém mais sonha com isso em Hollywood. Aquele deboche, visto hoje, parece uma premonição da desgraça baseada na vaidade excessiva que o prêmio produziu a si mesmo.