Por que Sean Baker merece o tapete vermelho de Cannes?

Diretor sonha com uma Palma há décadas, merecia uma por "Projeto Flórida" e finalmente integra a competição oficial com "Red Rocket"

16 jul 2021 - 17h03
Simon Rex em cena de "Red Rocket", de Sean Baker, que concorre à Palma de Ouro
Simon Rex em cena de "Red Rocket", de Sean Baker, que concorre à Palma de Ouro
Foto: Divulgação

No tapete vermelho de "Red Rocket" em Cannes, nesta semana, Sean Baker dizia ao entrevistador da TV francesa: “Estou extremamente honrado. Sonho com isso há décadas... Estar na competição oficial de Cannes, sabe?”

A declaração é óbvia, mas nos traz a uma constatação: Sean de fato merecia ter concorrido à Palma com “Projeto Flórida”, seu longa anterior, que integrou a programação da Quinzena dos Realizadores em 2017.

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O filme não só saiu de Cannes como um dos melhores filmes da edição como garantiu a Willem Dafoe indicações ao Oscar, ao Globo de Ouro e ao BAFTA de Melhor Ator Coadjuvante como também deu à pequena Brooklin Prince o prêmio Critics Choice de Melhor Atuação de 2017. "Projeto Flórida" também entrou em várias listas internacionais com um dos deze melhores filmes do ano.

Mas o que faz da obra de Sean Baker algo tão notável? Para começar, a criatividade. Em "Tangerine", por exemplo, ele rodou um longa usando apenas aparelhos iphone. Sem contar sua capacidade de dirigir de forma fluida, como se (quase) nada de grandioso acontecesse em tramas muito cotidianas, mas que, no fundo, trazem os grandes fatos que movem as vidas de seus personagens.

Sean Baker dirige as crianças do elenco de "Projeto Flórida"
Foto: Divulgação

Em "Projeto Flórida", uma mãe solo que não se encaixa no modelo de “boa moça da América” tenta criar sua filha em um quarto de um budget hotel (os típicos hotéis baratos de beira de estrada) na Flórida, “nos fundos” da Disney e dos tantos sonhos artificiais criados pelo universo do parque de diversão que habitam o imaginário de milhões de crianças de todo o mundo.  É no “The Magic Castle”, não por acaso todo pintado de rosa que a magia da infância de Moonee (Brooklynn Prince) encontra espaços para existir em meio a um cotidiano desbotado e cinzento das famílias que só entram nos castelos pela porta dos fundos.

Observação: É hilária, ainda que melancólica, a ponta que um casal de brasileiros em lua de mel faz, quando, por engano, fizeram a reserva em uma espelunca e não em um dos hotéis encantados. “Minha mulher é brasileira. Brasileiros adoram a Disney. Ela vem com a família desde criança”, diz o marido ao recepcionista do The Magic Castle.  A obsessão brasileira pela Disney deveria de fato ser estudada.

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Projeto Flórida está disponível na Amazon Prime Video e merece ser visto e revisto.

Willem Dafoe e Brooklynn Prince em cena de "Projeto Flórida"
Foto: Divulgação

Red Rocket e a competição oficial, finalmente! 

Mas de volta a Cannes, o fato é que Baker finalmente realizou o sonho de concorrer à Palma de Ouro com “Red Rocket”, que é co-escrito pelo diretor e pelo roteirista Chris Bergoch, que também assina com Baker os roteiros de Projeto Flórida e Tangerine (2015).

O Plano Geral, que neste ano não pôde ir a Cannes por motivos de restrição de viagem de brasileiros à Europa por conta da pandemia, acompanhou a coletiva de imprensa do filme e a recepção do público ao final da première mundial (que é televisionada). E, a julgar pelas reações, mais uma vez o diretor encantou sua plateia com sua capacidade de criar universos tão simples e cotidianos quanto profundos.

Sean Baker e sua equipe na première de "Red Rocket" em Cannes
Foto: Divulgação

“Red Rocket” traz mais uma  trama que olha para os excluídos da América. O filme conta a história de Mickey (interpretado por Simon Rex, que é mais famoso pelas comédias), um ex-ator pornô que, ao voltar para casa no Texas depois de sua carreira afundar, tem de encarar a rejeição da vizinhança, de sua mãe e sua ex-mulher, vivida por Bree Elrod, que também trabalhou na indústria pornô.

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Desconhecidos do grande público, que mais associa Cannes e o cinema americano aos astros de The French Dispatch (de Wes Anderson), Simon e Bree surpreenderam pela atuação cativante e não surpreende se um deles levar a Palma de Ouro de atuação.

“Eu realmente queria que o público se conectasse com todos os personagens, gostando ou não gostando deles. Eu escolhi estes atores incríveis, que realmente humanizaram estes personagens. E eu sempre soube que eu estava capturando estes personagens de uma forma que eu nem mesmo tinha escrito. Meus atores trouxeram isso também”, disse Baker em seu tapete vermelho, pouco antes de entrar no Grande Theatrê Lumière em plena tarde.

Confira o trailer de "Red Rocket"

Cannes tem isso. Algumas galas ocorrem em pleno sol, ainda à tarde, por conta da agenda lotada da sala mais prestigiada do festival, que, além dos 24 filmes em competição, também acolhe pré-estreias fora de competição.  Havia poucos fotógrafos, nenhuma celebridade e glamour nenhum no red carpet de “Red Rocket”. O que pode parecer injusto para um diretor tão talentoso ter uma première sonha em Cannes tão sem glamour, na verdade, revelou-se coerente com a obra de Baker. Não é pelo glamour que ele faz seu cinema, mas desta vez ele entrou no castelo de Cannes pela merecida porta da frente do Grand Palais.

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