A foto de primeira página da ‘Folha de S. Paulo’ com Lula atrás de um vidro estilhaçado causou polêmica na mídia e nas redes sociais.
A primeira impressão é de que o presidente foi alvejado por um disparo na área do coração. A postura curvada, com a cabeça baixa e uma mão sobre o peito, reforça a interpretação de tragédia.
“Foto feita com múltipla exposição mostra Lula ajeitando gravata e vidro avariado em ataque” é a legenda que acompanha a matéria sobre a onda de exonerações de militares ‘herdados’ de Jair Bolsonaro pelo atual presidente.
A imagem gerou polarização de opiniões, como acontece com quase todos os assuntos no Brasil de hoje. Houve quem enxergasse uma mensagem subliminar do jornal.
“O que a @folha pretende com essa montagem? Incitar o ódio contra Lula? Sugerir que ele leve um tiro no coração?”, escreveu no Twitter a filósofa e ex-apresentadora do ‘Saia Justa’, do GNT, Márcia Tiburi.
“O responsável por essa montagem deve ser intimado a se explicar! Trata-se de uma montagem criminosa, pois sugere um tiro no coração.”
A autora é a fotojornalista Gabriela Biló, da equipe de política da ‘Folha’ em Brasília. Ela disse ter recebido inúmeras mensagens de reprovação.
“Como eu já previa, o hate veio forte com essa foto do Lula. Na foto tem quem veja morte, tem quem veja resistência, só um trincado, tem quem veja um sorriso atrás, o Lula arrumando a gravata. Não vou dizer o que você tem que ver. Fotojornalismo não é feito pra agradar”, postou no Twitter.
O jornalismo em geral não deve realmente se preocupar com a aprovação do público, seja leitor, ouvinte ou telespectador. O ideal é justamente o oposto: que incomode, suscite uma reação (seja qual for), tire o consumidor de notícias daquele recorrente estado letárgico.
Julgamento de intenção à parte, a imagem de Lula ‘baleado’ cumpriu a missão de impactar. A controvérsia está, principalmente, na visão de quem vê a ‘Folha de S. Paulo’ simpática à direita e excessivamente crítica à esquerda.
Há exagero na comparação da foto registrada por Gabriela Biló com as montagens toscas de fake news e preconceitos produzidas e compartilhadas por apoiadores de Bolsonaro na internet.
De um lado, existe um trabalho jornalístico, goste-se ou não dele. Do outro, panfletagem ideológica de baixo nível para difamar, enganar, prejudicar.
Essa polêmica com a foto de Lula lembra a cólera gerada pelo vazamento de uma cena com um sósia de Jair Bolsonaro usando a faixa presidencial, caído degolado ao lado de uma moto.
O sangue (cenográfico, é claro) no pescoço e na camisa sugerem a morte do então presidente. A imagem faz parte do filme ainda inédito ‘A Fúria’, do diretor Ruy Guerra.
Os ‘patriotas’ reagiram com ódio. “Tentaram matar Bolsonaro uma vez e não conseguiram, agora, até ensaiam como fazer”, escreveu no Facebook o filho ‘Zero Um’, senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Enquanto a fotografia da ‘Folha’ parece ter sido publicada para instigar debate sobre a situação política do presidente e os riscos (físicos, inclusive) que ele corre, a sequência fictícia no longa-metragem sinaliza uma provocação a partir da liberdade artística.
Melhor discutirmos abertamente as questões levantadas nos dois casos do que vivermos em uma sociedade com censura ou sob falsa neutralidade para não irritar a gregos e troianos.
“Preferiria um debate violento a uma conformidade silenciosa”, escreveu Honoré de Balzac, o aclamado escritor francês especializado em criticar as falhas do comportamento humano.