"Embora tenha tido atitudes de vanguarda, sempre fui e continuo conservadora", disse a atriz Regina Duarte.
A trajetória política da "namoradinha do Brasil", convidada pelo presidente Jair Bolsonaro para assumir a área de Cultura do governo, de certa forma confirma a frase, que foi dita no programa Conversa com Bial (Globo) em maio do ano passado.
Duarte, que em 1979 viveu em Malu Mulher uma mulher recém divorciada enfrentando as dificuldades e preconceitos na tentativa de sustentar a família sozinha, diz ter lutado pelas Diretas Já em palanques ao lado de figuras como Luiz Inácio Lula da Silva.
Também apoiou políticos do PSDB e, numa das ocasiões em que o fez, na campanha a favor de José Serra quando este disputava a Presidência em 2002, disse uma frase que marcaria sua história: "Eu tou com medo". O medo era de que Lula fosse eleito — o que acabou acontecendo.
Mais recentemente, a atriz global declarou seu apoio a Bolsonaro. E, nesta sexta (17), recebeu convite para integrar seu governo.
Caso aceite o convite do presidente, Duarte substituirá o ex-secretário da Cultura, Roberto Alvim, exonerado na sexta depois de divulgar um vídeo com estética e conteúdo nazistas.
Segundo o jornal O Globo, Bolsonaro avalia recriar o Ministério da Cultura caso ela aceite o convite. A pasta havia sido transformada em secretaria por Bolsonaro no início de sua gestão.
De acordo com o jornal, Bolsonaro e Duarte devem se encontrar no Rio nesta segunda.
A BBC News Brasil separou os principais apoios conferidos por Duarte a políticos durante a história recente da política brasileira.
Fernando Henrique Cardoso
Eram as primeiras eleições para a Prefeitura de São Paulo pós-redemocratização, em 1985.
O ex-presidente da República Jânio Quadros (PTB) disputava o cargo com aquele que seria o futuro presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, na época filiado ao PMDB. O terceiro candidato era Eduardo Suplicy (PT).
De cabelos longos, vestindo uma blusa listrada e olhando diretamente para a câmera, Regina Duarte começava: "Minha gente, a hora da decisão está chegando". Na época, Regina vivia a Viúva Porcina na novela Roque Santeiro.
Ela participou da propaganda de campanha de FHC na TV. "Eu acho que a gente tem que fazer isso para impedir que as forças da corrupção e da ditadura voltem a se juntar e destruam a nossa frágil democracia. Gente, não vamos nos iludir nesse momento. Votar em Suplicy é ajudar o Jânio", dizia, em seguida citando o regime nazista na Alemanha.
"Não vamos também nos esquecer do que aconteceu na Alemanha na década de 1930. Os democratas se dividiram e o que aconteceu? Hitler subiu ao poder com pouco mais de 30% dos votos. Então, esse é o momento onde a gente não pode vacilar. A gente tem que votar em Fernando Henrique para prefeito de São Paulo."
A disputa acabou sendo vencida por Jânio por uma diferença pequena, de 141 mil votos.
FHC novamente
Em 1998, já no PSDB e presidente desde 1994, FHC disputava a reeleição. Lula, do PT, era seu principal rival.
Regina Duarte aparece em outra campanha eleitorial veiculada na TV, desta vez em forma de uma longa entrevista. Ela começou falando de seu próximo trabalho, a minissérie Chiquinha Gonzaga, que seria exibida no ano seguinte. O entrevistador comentou que ela também sempre esteve envolvida na política, e perguntou por que apoiar FHC.
"Eu conheço o Fernando Henrique há 20 anos, tenho participado das campanhas dele desde 1978, quando ele se candidatou ao Senado, e é essa determinação, essa firmeza, essa transparência que eu mais admiro", diz ela. Ao longo da entrevista, Regina disse também que votaria em Mário Covas (1930-2001), também do PSDB, para o governo de São Paulo.
"São pessoas que vale a pena fazer a campanha, se engajar", afirma.
FHC foi reeleito naquele ano em primeiro turno com 53% dos votos. Lula obteve 31,7%.
'Eu tô com medo'
Quatro anos depois, em 2002, era vez de Regina defender José Serra (PSDB) na campanha à Presidência com uma frase que ficou famosa: "Eu tou com medo". Medo, no caso, de seu opositor, Lula (PT), ser eleito.
"Eu tou com medo. Fazia tempo que eu não tinha esse sentimento. Porque eu sinto que o Brasil nessa eleição corre o risco de perder toda a estabilidade que já foi conquistada", afirmava ela no vídeo da campanha eleitoral de Serra.
No vídeo, ela diz, sobre Lula: "Eu achava que conhecia, mas hoje eu não conheço mais". "Tudo que ele dizia mudou muito e isso dá medo na gente."
Seu "medo" tornou-se realidade: Lula foi eleito no segundo turno com 61% dos votos.
Anos depois, em 2018, em uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Duarte disse que na época "estava completamente alienada, pois o Lula já havia ganhado".
"Não me arrependo, mas, se pudesse voltar no tempo, teria me informado melhor sobre o que estava acontecendo naquele momento. O país queria o Lula e fui dar a cara a tapa à toa."
Regina gari
Em fevereiro de 2016, durante pré-campanha para prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB) postou uma foto com Regina no Twitter, dizendo que ela era "amiga de uma vida inteira".
Ele iria disputar o maior cargo da cidade de São Paulo nas eleições de outubro daquele ano contra o então prefeito Fernando Haddad (PT).
Doria acabou vencendo as eleições no primeiro turno, com 53% dos votos.
Um dia após ser empossado prefeito, Doria vestiu-se de gari e posou para fotos com o uniforme no centro de São Paulo, varrendo um pequeno trecho da calçada. Depois, afirmou que faria aquilo todos os fins de semana.
No segundo fim de semana daquele ano, em 7 de janeiro, ele e secretários estavam uniformizados na avenida Paulista quando receberam a visita de Regina Duarte, que mora no Jardins, bairro próximo dali. De óculos escuros, camisa branca e tênis All Star vermelho, ela posou para fotos com o prefeito segurando uma vassoura.
"Não quero ser política, mas acho que todos os moradores de São Paulo devem se engajar", afirmou ela na ocasião.
Bolsonaro
2018. Regina Duarte está em cima de um carro de som vestida de verde e amarelo. O carro está no meio de uma manifestação pró-Bolsonaro na avenida Paulista, e ela segura o microfone para defendê-lo.
Era o começo de sua aproximação com o candidato que acabou sendo eleito, e que agora a convida para assumir a área da Cultura de seu governo.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em outubro daquele ano, classificou Bolsonaro como "um cara doce, um homem dos anos 1950, como meu pai, e que faz brincadeiras homofóbicas, mas é da boca pra fora, um jeito masculino que vem desde Monteiro Lobato, que chamava o brasileiro de preguiçoso e dizia que lugar de negro é na cozinha".
Explicou, ainda, por que migrou do PSDB, que havia apoiado em eleições anteriores, a Bolsonaro.
"Eu tinha algumas opções de voto, como o (Geraldo) Alckmin e o (João) Amoêdo, mas, nesse momento, me caíram fichas inacreditáveis, como as omissões do PSDB. Foi tudo ficando muito feio. Quantos equívocos, quantos enganos! Foi quando notei o tamanho da adesão desse país ao Bolsonaro e pensei: eu sou esse país, eu sou a namoradinha desse país."
Em maio do ano passado, no programa Conversa com Bial, da Globo, disse ter "uma história de participação política que não é de hoje" e que nunca foi "partidária". Bial tenta classificá-la: "Eu encaixaria você como uma social-democrata... Até o Bolsonaro", diz ele. "Isso... nem sei muito bem o que é isso", responde ela.
"As minhas posições, que eu venho tomando desde os anos 1970... Eu corri de cavalo, eu me enfiei embaixo de porta na 25 de março fechando, quase me esmagando para fugir da cavalaria. Eu participei de palanques no Anhangabaú ao lado de Lula, sabe, pelas Diretas Já. Pela Anistia ampla, geral e irrestrita..."
Duarte diz ainda que, em 2002, quando apoiou Serra e disse que tinha medo, foi chamada de "terrorista". "E hoje sou chamada de fascista."
Bial pede para que ela avalie o governo Bolsonaro até aquele momento. "Eu seria louca se eu avaliasse alguma coisa", responde ela.
Fidel
Circula nas redes uma foto de Regina Duarte, ao lado de Daniel Filho, com quem foi casada, e de Fidel Castro (1926-2016). O ator José de Abreu foi um dos que publicaram a foto em seu perfil do Instagram.
Ao jornal F5, do jornal Folha de S.Paulo, em maio do ano passado, Daniel Filho disse não entender "a mudança dela para a direita". "Regina e eu fomos juntos para Cuba, e fomos recebidos pelo próprio Fidel Castro [...]", disse ele ao jornal.
"Simplesmente não entendo. Compreendo que não tem o porquê de as pessoas serem firmes para sempre, mas não entendo essa mudança dela para a direita, assim dessa forma. Ela era de esquerda mesmo, eu continuo [sendo de esquerda]", afirmou.