A morte de Kirstie Alley, aos 71 anos, em consequência de um câncer, encerra uma carreira sui generis na TV e no cinema dos Estados Unidos.
Despontou para o sucesso no seriado cômico 'Cheers', na década de 1980. O papel de Rebecca deu a ela um Globo de Ouro e um Emmy, o Oscar da TV.
Os anos seguintes foram gloriosos. Ganhou status de estrela com os filmes 'Olha Quem Está Falando' e 'Olha Quem Está Falando Agora'.
Recebeu outro Emmy, pelo telefilme 'David's Mother', e se consagrou com uma estrela na Calçada da Fama.
De repente, a esbelta Kirstie começou a engordar e os convites para trabalhar foram rareando.
Nos anos 2000, sofreu com o efeito sanfona. Passou a ser alvo dos paparazzi e da imprensa sensacionalista.
Jornais e revistas publicavam fotos desfavoráveis que ressaltavam seu corpo obeso e inchado, que chegou a ter 120 quilos.
As manchetes eram de uma crueldade impressionante, especialmente nos tabloides 'Enquirer' e 'Star'.
'Kirstie come descontroladamente', 'Sem trabalho por estar muito gorda', 'Muito gorda para fazer sexo', 'Kirstie tem apenas mais 4 anos de vida', 'Faça dieta ou vai morrer'.
Sob pressão, a artista decidiu fazer da obesidade o seu ganha-pão. Criou um reality show em que mostrava a luta diária para emagrecer, 'Big Life' (Grande Vida), e aceitou estrelar a série 'Fat Actress' (Atriz Gorda), em que interpretava ela mesma.
Patrocinada por métodos de perda de peso, ela ressurgiu mais magra algumas vezes na mídia, como no dia em que apareceu de calcinha e sutiã no programa de Oprah Winfrey para exibir a silhueta enxuta. Na época, chegou a levantar suspeita de bulimia.
Mas logo ela sumia e voltava novamente obesa, gerando nova superexposição tóxica na imprensa e montagens fotográficas ofensivas na internet.
A permanente luta contra a balança rendeu convites para participar de programas populares, como o 'Celebrity Big Brother' e o 'Dancing with the Stars'.
Kirstie Alley ajudou a dar visibilidade e respeito à mulher gorda na mídia, porém, também contribuiu com a obsessão coletiva por emagrecer a qualquer custo.
A mercantilização de seu descontrole com o peso rendeu muitos milhões de dólares na conta, mas cobrou um preço bastante alto: a atriz teve sérios problemas emocionais, como depressão e ansiedade.
Ao invés de buscar ajuda psiquiátrica, ela preferiu se tratar com a Cientologia, a religião embrulhada em mistérios e polêmicas, que tem Tom Cruise como principal garoto-propaganda.
O último trabalho, o telefilme 'You Can't Take My Daughter', foi gravado antes da pandemia e exibido em 2020 no canal Lifetime. Depois disso, Kirstie Alley se dedicou aos filhos e netos.
A batalha contra o câncer aconteceu longe dos holofotes. Morreu discretamente depois de uma vida marcada pela espetacularização de seu corpo.