“A crueldade é um dos prazeres mais antigos da humanidade”, escreveu o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, um dos maiores críticos do instinto humano para fazer o pior.
Matar ou mandar matar está entre os atos mais cruéis, seja qual for a motivação: ciúme, ganância, inveja...
Suzane Von Richthofen, Elize Matsunaga e Flordelis de Souza ganharam espaço no jornalismo com crimes hediondos que desafiam a compreensão.
Por que uma jovem rica arquiteta o assassinato dos pais? O que leva uma esposa a atirar no marido e esquartejar o corpo? Como uma líder religiosa comete o pecado mortal do homicídio?
O jornalista Ullisses Campbell escreveu a trilogia Mulheres Assassinas a respeito das três condenadas. Um árduo trabalho de reportagem sobre a personalidade, a vida e as ações odiosas cometidas por elas.
Nesta entrevista, ele comenta detalhes do processo de escrita e as reações das principais personagens de ‘Suzane – Assassina e Manipuladora’, ‘Elize Matsunaga – A Mulher que Esquartejou o Marido’ e ‘Flordelis – A Pastora do Diabo’ (Editora Matrix).
Se impressionou ao acessar detalhes dos crimes cometidos por elas?
Quando eu pesquisei para o livro da Suzane, fiquei chocado com os crimes que as colegas de cela tanto da Suzane quanto dos irmãos Cravinhos cometeram, que são crimes bem piores do que os da Suzane, os crimes estão no livro. Como eu já conhecia o crime da Suzane e dos irmãos, não tive esse impacto. Quando fiz o livro da Elize, já estava mais experiente com esse tipo de assunto, então não causou muito impacto. Na verdade, tem pouco crime no livro... O mais chocante é o que a própria Elize cometeu. Nesse livro, abordei mais o universo da prostituição. O da Flordelis me impressionou porque ela não tinha uma família e sim uma organização criminosa. Me chamou a atenção como ela fingia ser a mãe do Brasil, quando na verdade estava abrigando traficantes e bandidos na casa dela. Com a história da Flordelis e de outros líderes religiosos, me indignou ver como as pessoas usam a espiritualidade para cometer crimes em nome de Deus, é muito absurdo.
Da parte de Suzane, Elize e Flordelis, houve alguma tentativa de monitorar ou censurar seu trabalho? Elas leram a respectiva obra?
A Suzane entrou na Justiça e ganhou. Ela manteve o livro bloqueado por 35 dias antes do lançamento, mas o STF liberou o livro. Ela também tentou impedir na Justiça as noites de autógrafos, mas perdeu tudo. Sei que a Suzane leu e ficou bem aborrecida, segundo colegas de cela. Chegou a jogar o livro na parede. A Elize também leu, mas nunca se opôs ao livro. Pelo contrário, ela mandou cartas endereçadas à filha para eu colocar no livro. Não sei se gostou, mas não se mostrou contra. A Flordelis não sei se leu porque o livro acabou de sair, mas ela tinha me pedido quando estava presa, via advogada, para eu escrever 20 perguntas. Ela responderia e eu incluiria no livro. Enquanto eu escrevia as perguntas, a capa do livro vazou e uma outra detenta levou para ela na cadeia. A Flordelis não gostou e cortou relações definitivamente. Sempre deixo claro que os três livros são biografias não-autorizadas, então o ideal é que essas pessoas não tenham voz na publicação. É um olhar de terceiros sobre elas e não um olhar delas sobre si. Não faço questão que elas se posicionem sobre as obras.
Como analisa o status de celebridade dado às três condenadas? É culpa da imprensa?
Isso não é culpa da imprensa... Se esses conteúdos têm relevância é porque tem alguém consumindo. Acho que faz parte da nossa cultura acompanhar a vida dessas criminosas, transformar elas em celebridades. A Suzane quando sai da cadeia, o público quer saber qual a cor do esmalte que ela está usando, qual a tonalidade de loiro que ela colocou no cabelo... As pessoas acompanham a Elize também e comentam que em uma saída ela está mais magra e em outra um pouco acima do peso. Fico chocado em ver como as pessoas transformam criminosas em celebridade, mas não é culpa da impressa. Até porque boa parte desse culto das criminosas como celebridades ocorre nas redes sociais.
Nos três casos, a fama das criminosas ofuscou suas vítimas. Esse fenômeno de popularidade lembra a teoria da banalidade do mal da filósofa Hannah Arendt. Estamos cada vez mais insensíveis à violência?
Eu acho que não... O público sempre teve esse fascínio, não é de hoje. As pessoas gostam da tragédia. Quando a morte chega muito perto, desperta também uma curiosidade para entender aquilo. Isso acontece, por exemplo, quando passamos por um acidente de trânsito. Os carros vão até devagar não por conta de algum impedimento, mas sim porque todos querem ver o que aconteceu. As produções de true crime também provam este fascínio, pois são um fenômeno mundial. Isso tem mais a ver com o interesse mórbido do ser humano do que com a fama dos criminosos.
Há a intenção de transformar os livros em séries documentais, podcasts ou outro produto audiovisual?
O livro da Suzane e o da Elize já tiveram os direitos autorais vendidos para uma plataforma de streaming. Eles transformarão as histórias em seriado. Farei parte da equipe de roteiristas, mas não tenho muitas informações porque está ainda em uma fase muito embrionária. Gosto de ver os livros transformados em outros produtos porque isso faz com que as obras cheguem a mais pessoas.
Gostaria de escrever sobre quais outros personagens da crônica policial?
Em 2023, além de participar dessa sala de roteiro para transformar os dois primeiros livros ‘Suzane - Assassina e Manipuladora’ e ‘Elize Matsunaga - A mulher que esquartejou o marido’ em seriado, vou fazer uma atualização do livro da Suzane em alusão aos 40 anos de vida dela e aos 20 anos que o crime completa. Ele vai ganhar uma nova edição ampliada. Agora que encerrei minha trilogia de Mulheres Assassinas penso em escrever sobre um assassino homem. Ainda estou em fase de pesquisa, para entender quem seria este criminoso, pois nem todas as histórias de assassinato possuem elementos para compor uma obra completa.