A série ‘Um Beijo do Gordo’, lançada no Globoplay, é uma reverência da Globo a um dos maiores nomes de sua história. Jô Soares ajudou a construir a tradição do canal no humor, especialmente no contexto de críticas sociais. Lamentavelmente, a produção cômica na emissora se perdeu nas últimas duas décadas.
Os episódios de homenagem ao apresentador e humorista podem ser interpretados também como uma justa reparação. Jô foi prejudicado pela TV da família Marinho quando se transferiu ao SBT para realizar o sonho de comandar um talk show.
Em entrevista a Marília Gabriela, no ‘Cara a Cara’, na Band, em junho de 1988, ele revelou ter sido alvo de “atitudes passionais” na Globo após comunicar sua saída.
No ‘Troféu Imprensa’, diante de Silvio Santos, da bancada de jornalistas e da plateia, o comunicador leu um artigo que havia publicado no ‘Jornal do Brasil’.
“Com impecável senso de oportunidade, a TV Globo escolheu exatamente o momento da Constituinte no Brasil para inaugurar a sua lista negra”, disse Jô.
“Quem sair da emissora sem ter sido mandado embora, corre o risco de não poder mais trabalhar em comerciais, sob a ameaça de que estes não serão lá veiculados.”
O humorista relatou que comerciais protagonizados por ele e atores de seu programa no SBT haviam sido recusados pelo canal da família Marinho, assim como foram proibidas as chamadas pagas de seu espetáculo ‘O Gordo Ao Vivo’.
Contou que ao se despedir do vice-presidente da emissora carioca, Boni, ouviu que tentariam proibi-lo de usar a palavra ‘gordo’. “Esta última ameaça ficou difícil de cumprir, a megalomania ainda não é lei fora da Globo”, debochou.
“É triste, neste momento em que se escreve diariamente a democracia no Congresso, uma empresa que é concessão do Estado cerceie impunemente o trabalho do artista brasileiro, em geral já tão mal remunerado.”
Na conclusão do desabafo, outra ironia provocativa. “Finalmente, gostaria de dizer que Silvio Santos foi tremendamente injusto quando chamou Boni, numa entrevista, de office-boy de luxo. Nenhum office-boy consegue guardar tanto rancor no coração.”
Após 13 anos bem-sucedidos no SBT, onde consolidou o ‘Jô Soares Onze e Meia’, ele voltou à Globo no ano 2000, quando Boni já não estava na direção. Comandou dezessete temporadas do ‘Programa do Jô’.
O fim do programa, contra a vontade dele, gerou abalo emocional, segundo disse um de seus melhores amigos, o diretor de TV Nilton Travesso, no ‘Morning Show’, da Jovem Pan News, horas após a morte de Jô, aos 84 anos, em 5 de agosto de 2022.
“Acho que o coração dele ficou muito triste quando ele foi afastado da televisão”, afirmou. “Tudo isso provocou um pouco de tristeza no interior dele.”
O derradeiro grande ato de Jô Soares foi morrer discretamente. Apenas amigos próximos foram convidados ao velório e à cerimônia de cremação, como ele havia determinado. Muitas vezes chamado de exibicionista e arrogante, ele partiu com elegância.
Em uma de suas últimas aparições públicas, no início de 2021, o humorista prestou um serviço ao país. Após ser vacinado contra a covid-19 em drive-thru no Estádio do Pacaembu, parou o carro e conversou com a imprensa. “Vacinem, pelo amor de Deus. Tem que vacinar.”
