O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou que o Google retire do ar, dentro do prazo de 48 horas, reportagens sobre uma entrevista que a atriz Letícia Spiller deu ao programa Reclame na Play. A participação da artista na atração ocorreu em dezembro de 2020, quando ela comentnou as denúncias de assédio sexual contra o humorista Marcius Melhem. O pedido da remoção dos links foi feito pela defesa da atriz, que alega ter tido suas "declarações distorcidas por diversos sites".
O acórdão obtido pelo Terra, que é de terça-feira, 25, determina ainda que, caso os links não sejam retirados do ar dentro do prazo estabelecido, a empresa terá que pagar multa de R$ 10 mil por hora. Segundo o desembargador relator do acórdão, Gabriel de Oliveira Zefiro, embora o Google não seja o responsável pela publicação das reportagens "ofensivas", se torna solidariamente responsável pela divulgação dos sites com tais mensagens, já que é provedor de aplicações que oferecem o serviço de buscas.
Procurado pela reportagem, a assessoria de imprensa do Google afirmou que não irá se manifestar sobre o assunto.
O que diz Letícia Spiller
Conforme afirmou a atriz no processo, em entrevista concedida ao programa Reclame na Play, transmitido em dezembro de 2020, ela teria sido questionada pela apresentadora quanto às denúncias de assédio sexual envolvendo o ex-diretor de humor da TV Globo, Marcius Melhem. Letícia Spiller afirmou na ocasião que a possível vítima de assédio teria demorado para fazer a denúncia, o que teria contribuído para que o ex-diretor se tornasse, perante a opinião pública, "o cara".
A repórter acrescentou, falando sobre o ex-diretor da Globo se tornar um "mártir". A atriz concordou: "Né, o mártir, dessa situação".
Na entrevista, a atriz também relata que conhece Marcius Melhem, quem lhe "parecia ser" uma pessoa "muito querida" e "de bom coração". No entanto, segundo ela, no dia seguinte à participação no programa, diversos "meios de comunicação oportunistas" teriam veiculado informações distorcidas e tendenciosas, com intenção de "criar polêmicas" com seu nome. Nas palavras da atriz: "fazendo parecer que estaria defendendo o ex-diretor".
Em consequência das reportagens publicadas, Letícia Spiller relata que sua página no Instagram foi tomada por inúmeros comentários de ódio. A distorção de suas falas lesionou sua imagem e sua honra, especialmente porque é forte defensora dos direitos das mulheres contra qualquer tipo de violência, segundo alega.
A atriz aponta no processo que sua declaração na entrevista diz o seguinte:
• Há inúmeros casos de assédio praticados por diretores que se encontram impunes e não só o ora relatado;
• As mulheres devem ter coragem de denunciar de imediato, pois a demora na denúncia pode gerar questionamentos;
• Pessoas que nos parecem boas podem nos surpreender negativamente, o que é duro de se enfrentar;
• Que é preciso ter cuidado nesses casos de assédio;
• Que vivemos em uma sociedade machista, que só piora.
Desembargador concluiu que atriz não defendeu Melhem
Para o desembargador relator do acórdão, Letícia Spiller em momento algum defendeu o ex-diretor Marcius Melhem durante a entrevista, nem mesmo criticou a conduta da artista Dani Calabresa ou de outras possíveis vítimas de assédio.
"A atriz não afirmou que Marcius Melhem tem um bom coração, mas sim que era dura a decepção decorrente de uma acusação tão grave contra uma pessoa que ela reputava – no passado, quando o conheceu – ser uma pessoa correta e de bom coração", disse o magistrado.
Segundo ele, durante a participação no programa, a atriz "enfatizou a dor da sua decepção".
"Isso não conduz logicamente à conclusão de que estaria duvidando da idoneidade das acusações feitas por Dani Calabresa. Somente através de uma interpretação presunçosa e de má-fé seria possível extrair de tal declaração as inverdades como os sites de fofoca fizeram", acrescentou o desembargador.
O magistrado também destacou que a atriz não questionou o motivo da demora na denúncia de assédio. Apenas afirmou que, se tivesse acontecido com ela, denunciaria imediatamente para evitar justamente a desconfiança de muitas pessoas.
"Ao contrário, a agravante [Letícia] apenas sinalizou a importância de se denunciar os abusos sexuais o mais rápido possível, justamente considerando a dificuldade de se provarem condutas como essas, que geralmente ocorrem sem a presença de testemunhas, além de haver preconceitos sociais, notadamente de ordem machista, que dificultam a correta elucidação dos fatos. É realmente muito espantoso que uma declaração amistosa e franca, como dizer que alguém aparentava ter um bom coração ou ser uma pessoa querida, seja causa de perseguição contra quem profere!", destacou o desembargador.