Sim, há excesso de Photoshop na capa da ‘Vanity Fair’ com Nicole Kidman. A atriz foi rejuvenescida e emagrecida digitalmente. Mas a maior polêmica não é essa (os retoques exagerados estão quase normalizados).
A gritaria nas redes sociais se deu pela minissaia. Acharam a peça “inadequada” para a artista. Tradução automática: ela está velha para usar uma peça associada às garotas.
Nicole completou 56 anos em junho. Por que não poderia mostrar as coxas? Ela disse ter “implorado” para vestir o conjunto da marca italiana Miu Miu. O motivo? Queria “se divertir fazendo as fotos”. Como alguém se acha no direito de julgá-la e recriminá-la por brincar com a própria imagem?
Se há repressão contra uma atriz de Hollywood, imagine com a mulher anônima que ousa desafiar os códigos de vestimenta. ‘Não pode isso, não pode aquilo’... Quem lutou décadas atrás pela libertação do corpo feminino deve estar horrorizado com a hipocrisia da atualidade. Houve nítida involução.
Outro caso dos últimos dias envolve Alexandre Slaviero. Viralizou uma montagem do tipo ‘antes e depois’ com uma foto recente do ator e outra de seu tempo de galã na Globo. Foi criticado pela aparência. Recebeu cobranças para se cuidar melhor.
Imaginavam que ele não envelheceria? Queriam que congelasse a imagem de quando interpretou Kiko em ‘Malhação’ aos 20 anos? Slaviero fará 40 em dezembro. Continua bonito. A beleza de um homem que envelhece como qualquer outra pessoa. Talvez esperassem que ele fosse um Dorian Gray, personagem literário que faz um pacto sinistro para ser eternamente jovem.
Nicole e Alexandre foram alvos de etarismo, o preconceito relacionado à idade, seja contra mais velhos ou mais jovens. Afeta celebridades e gente comum.
O Brasil envelhece (teremos a quinta população mais idosa do planeta em 2030), porém, a sociedade exige um visual cada vez mais jovial. Além disso, quer impôr às pessoas uma determinada conduta segundo a idade cronológica.
A consequência dessa execrável ditadura estética são pessoas com rosto artificial. Às vezes, deformado. A mesma pressão se aplica à silhueta: só pode ser muito magra (ainda que às custas de dietas malucas e remédios potencialmente perigosos) ou explicitamente malhada (‘bombada’, se preferir).
A minissaia de Nicole Kidman e as rugas de Alexandre Slaviero são uma libertação. Todo mundo tem o direito de ‘sair da caixinha’ onde insistem em nos prender.
Podemos não usar a roupa supostamente apropriada e recusar o botox. Qual a graça de viver sem liberdade? Não é fácil encarar o avanço do tempo. Então melhor fazê-lo com leveza.
E quem ataca a imagem alheia com tanta severidade precisa encarar mais atentamente o espelho – provavelmente vai levar um susto.
