Há exatamente 40 anos, Tarcísio Meira desafiou os preconceituosos ao dar um beijo na boca de Ney Latorraca. A sequência do filme ‘Beijo no Asfalto’, do diretor Bruno Barreto e baseado na peça homônima de Nelson Rodrigues, chocou a sociedade tradicionalista.
O maior galã da televisão, na época com 45 anos e no ar na novela ‘Coração Alado’, mostrou seu compromisso com a arte ao aceitar o papel de Aprígio. O pai de família exemplar vê o genro, Arandir (Ney Latorraca), atender ao pedido de um beijo feito por um desconhecido que está à beira da morte após ter sido atropelado.
Um repórter policial sensacionalista publica a foto do ato e gera um escândalo. Arandir se torna alvo de preconceito, humilhação e fica na mira do delegado homofóbico que suspeita de crime passional. Paralelamente, revela-se uma estranha ligação do sogro conservador com Arandir.
No ano seguinte, Tarcísio esteve em outro longa polêmico, ‘Amor Estranho Amor’, de Walther Hugo Khouri. Por mais de 30 anos, Xuxa recorreu à Justiça para impedir a exibição e comercialização da fita na qual aparece em cena de sexo com um garoto.
A fama com o público feminino ganhada na TV não impedia o ator de abraçar personagens opostos à imagem de galanteador. Em ‘Guerra dos Sexos’ (1983) mergulhou na comédia pastelão ao viver o atrapalhado Felipe.
Em 1990, protagonizou a novela das 23h ‘Araponga’. Mostrou-se hilário na pele do paspalho Aristênio, um detetive linha-dura que na intimidade pedia colo à mãe e tomava leite na mamadeira. No ano de 2002, interpretou Bóris Vladescu, um antagonista divertido em ‘O Beijo do Vampiro’.
Versátil, Tarcísio Meira fez heróis arrebatadores (João de ‘Irmãos Coragem’, Capitão Rodrigo Cambará de ‘O Tempo e o Vento’), grandiosos vilões (Raul Pelegrini de ‘Pátria Minha’, Dom Jerônimo de ‘A Muralha’), tipos dramáticos (Euclides da Cunha em ‘Desejo’, Giuseppe Berdinazzi em ‘O Rei do Gado’) e cômicos (Bruno Lazzarini de ‘Tarcísio & Gloria’, João Medeiros de ‘Um Anjo Caiu do Céu’).
Um ator completo. Famoso pela pontualidade e os textos decorados na ponta da língua. Nos bastidores, um colega de trabalho querido por sua gentileza: gostava de prosear com os veteranos e aconselhar os novatos.
Apesar do status, nenhum sinal de estrelismo. Sua morte aos 85 anos, por covid-19, é uma dolorosa perda. Por sorte, teremos sempre o arquivo de imagens e memórias de suas grandes performances.