Após as severas críticas a mais uma indicação de atores exclusivamente brancos para o Oscar 2016, Academia anuncia reformas graduais em sua composição. Muito pouco e tarde demais, rebatem os críticos.
"Basta quer dizer basta. Estamos simplesmente fartos", disse Frederic Kendrick, professor de comunicação da Universidade Howard, em Washington. "Os Estados Unidos têm um monte de problemas com raça e cultura", constatou.
Para ele, não passa da ponta do iceberg o fato de, mais uma vez, nenhum ator ou atriz negra ter sido indicado para o Oscar em 2016. Às vésperas da entrega do prêmio, em 28 de fevereiro, a indignação com a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood – composta basicamente por homens mais velhos e brancos – não diminuiu.
Pelo contrário: o tom do conflito se acirrou, em especial nas mídias sociais. "Se um branco fizesse o papel de Michael Jackson no cinema, ele certamente ganharia um Oscar", diz um tweet sarcástico marcado com #OscarsSoWhite (Oscars tão brancos). Lançada como plataforma para protesto em nível nacional, a hashtag já era muito usada poucas horas após a divulgação dos candidatos deste ano.
Também jornais como The New York Times se unem ao coro dos descontentes na constatação de que Hollywood sofre de um "problema de raça". O diretor Spike Lee (Oldboy: Dias de vingança) e a atriz Jada Pinkett Smith (Magic Mike XXL) foram os primeiros a anunciar que boicotarão a entrega do troféu, em manifestação de protesto.
Em declaração crítica à Academia, o presidente Barack Obama igualmente ressaltou que o debate sobre a discriminação dos atores afro-americanos é parte de um problema maior. "Estamos mesmo fazendo de tudo para que cada um tenha uma chance justa?", indagou, deixando a resposta em aberto.
"Sistema de garotos brancos"
Para muitos, na origem de todos os males está a escravidão. Mesmo que ela já tenha sido abolida há um século e meio e que, nominalmente, todos os cidadãos americanos disponham dos mesmos direitos e oportunidades, isso está longe de ser realidade para muitos negros e membros de outras minorias. Os dois mandatos do primeiro presidente negro dos EUA pouco mudaram essa situação.
Muitos veem Hollywood como parte desse sistema de discriminação. Falando à DW, o autor Earl Ofari Hutchinson definiu o complexo cinematográfico como "um sistema de garotos brancos distorcido, profundamente arraigado, partidário", que existe para defender privilégios.
"Hollywood cuidou continuamente para excluir todos os talentos não brancos", acusou Hutchinson, que reúne uma vasta comunidade de seguidores com os seus livros e programas de rádio sobre os problemas raciais nos Estados Unidos.
Verdade seja dita
Para verificar se as acusações procedem, estudantes de comunicação da Universidade Howard lançaram um projeto online intitulado "Truth be told" (Verdade seja dita). Um primeiro olhar superficial já confirma a discrepância: nos 87 anos do Oscar, apenas 32 negros foram laureados. Os dois troféus para Denzel Washington, em 1990 e 2002, foram uma absoluta exceção.
"Na história de fundação de Hollywood, os negros não estavam previstos", afirma Frederic Kendrick, que lançou o projeto de checagem. Ele recorda o filme mudo O nascimento de uma nação, de 1915, produzido e dirigido por um dos fundadores de Hollywood, D.W. Griffith. Nele, os afro-americanos são mostrados sob uma ótica negativa, e as práticas da associação secreta Ku Klux Klan, exaltadas
Os americanos que acreditam que seu país já se encontre numa "era pós-racista" iludem a si mesmos, rebate Kendrick, citando a "dinâmica de Hollywood" como prova.
Segundo numerosos críticos, não faltaram boas produções com atores negros em 2015. Entre os mais mencionados estão, por exemplo, Will Smith em Golpe duplo, e Michael B. Jordan em Creed: Nascido para lutar. Mas nenhum dos dois foi indicado pela Academia de Cinema, embora ambas as produções se destacassem não só por qualidades artísticas como também pelo sucesso de bilheteria.
Elite dos good old boys
A Academia de Hollywood já prometeu que elevará gradativamente o número de afiliados não brancos para fazer jus às exigências de maior diversidade. Muito tarde e um pouco demais: "Isso é tudo, menos uma mudança radical", rechaça Hutchinson, que também defende os interesses dos profissionais cinematográficos.
O ator e diretor Robert Redford, numerosas vezes indicado e premiado, o que inclui também o Oscar pelo conjunto de sua obra, encarou as críticas à instituição com desprezo mal disfarçado: para ele, "só o trabalho" interessa, e o resultado na tela. Hutchinson não demonstra surpresa, uma vez que Redford representa "a elite dos good old boys, que querem manter as próprias vantagens".
Para esquentar ainda mais o debate sobre o suposto racismo hollywoodiano, observadores apontam que produções de outras partes do planeta, como a indiana "Bollywood" ou os estúdios da China, são raramente vistas nos Estados Unidos.
Uma campanha-monstro nas redes sociais está marcada para o dia da entrega do Oscar. Há quem veja a possibilidade de que, desta vez, os ativistas na rede acabem até mesmo roubando o show dos astros – brancos – no palco da Academia.