Quem nunca enviou um nude e depois se arrependeu com medo de ser exposto que atire a primeira pedra. Digitalizar a própria nudez virou ato corriqueiro nos jogos virtuais de sedução.
Homens e mulheres usam o recurso com intuito sexual – mas são elas as principais vítimas do efeito colateral mais previsível: o vazamento proposital (e criminoso) de fotos e vídeos.
Muitas vezes, trata-se de pornô de vingança, ou seja, quem faz a divulgação age na tentativa de macular a imagem pública da vítima. Estamos em 2022 e uma mulher que se exibe nua ainda é julgada como se a Idade das Trevas não tivesse terminado 600 anos atrás.
A série ‘Intimidade’, recentemente lançada na Netflix, ressalta a prática odiosa de expor, culpabilizar e avacalhar a mulher que tem um nude compartilhado. Os 8 episódios giram em torno de algumas personagens.
A principal é Malen Zubiri (Itziar Ituño, a Raquel/Lisboa de ‘La Casa de Papel’), vice-prefeita de Bilbao, em pré-campanha eleitoral. Um vídeo mostrando uma transa com um amante ocasional numa praia desestrutura sua vida familiar e o projeto político.
Anos antes de ser a vítima, Malen também incorreu no erro de atacar uma mulher fragilizada por um crime sexual. Imperfeita e, ao mesmo tempo, signo perfeito de seu tempo, a protagonista representa o dano corrosivo que o pornô de vingança produz em uma vida e ainda a possibilidade de transformar um drama pessoal em exemplo para salvar outras pessoas abaladas pelo mesmo método covarde de constrangimento.
Paralelamente, acompanhamos o drama de uma jovem operária, Ane (Verónica Echegui), que tem material íntimo vazado por alguém de seu passado na fábrica onde trabalha. Ela passa a sofrer uma tortura emocional que resulta em tragédia.
‘Intimidade’ foca também nas mulheres que não chegam a ter fotos e gravações compartilhadas, porém, vivem sob o medo da possível superexposição do que fizeram na intimidade com alguém que confiavam na ocasião.
A série tem inúmeras qualidades. O roteiro correndo em diferentes tempos, as atuações comoventes, os diálogos afiados, a discussão de como a mulher que ousa enfrentar os homens de maneira geral e, especialmente, em círculos de poder, vira alvo fácil do machismo (inclusive da parte de outras mulheres), da intolerância e do corporativismo.
Mais do que uma produção para entretenimento, ‘Intimidade’ é um documento ficcional que merece ser amplamente discutido, pois reflete um problema social que fere e mata inúmeras mulheres todos os dias.