Mariana Becker lembra machismo na carreira: "Ser simpática é uma coisa; botar a mão em mim é outra"

Jornalista relata situações difíceis na carreira, avalia lançamento de novo livro e se prepara para completar 30 anos de carreira

2 set 2022 - 09h29
(atualizado às 09h54)
Jornalista Mariana Becker em campo
Jornalista Mariana Becker em campo
Foto: @oficialmarianabecker

Às vésperas de completar 30 anos de carreira, a jornalista Mariana Becker tem muito do que se orgulhar. Referência para muitos quando o assunto é a cobertura de Fórmula 1, a jornalista acompanha grandes prêmios desde 2008, tem passaporte carimbado e compartilha suas aventuras no livro 'Não inventa, Mariana'. 

Lançado há um mês pela Editora Labrador, a primeira vendagem da obra já está esgotada. Mari Becker, como é chamada carinhosamente pelos colegas de trabalho, avalia agora a possibilidade de uma segunda edição. "Material não falta", garante.

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O espírito livre que sustenta o título do livro foi estimulado pelo seu pai, José Alberto Becker. Incentivador das vontades da filha, ele impunha apenas uma condição: que se dedicasse seriamente ao que se propusesse a fazer.

O resultado é notório. Becker começou a carreira esportiva cobrindo o Circuito Mundial de Surfe, entre 2003 e 2004, e acompanha a Fórmula 1 desde 2008. Inicialmente na Globo, quando ficou até o final da temporada de 2020, migrou para a Band em 2021 junto com os direitos de transmissão da modalidade.

Mas o incentivo do pai não a blindou para o machismo que viria a encontrar no esporte. 

"Só descobri a força do preconceito quando comecei a trabalhar. Eu me perguntava: 'Por que tal pessoa está falando assim comigo? Por que não posso fazer tal coisa?'. Eu não sabia como lidar. Não estava preparada para isso", admite.

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Um episódio marcante, ainda no início da carreira, foi em uma etapa do Mundial de Surfe. "Eu falei: 'Você não pode fazer isso comigo'. Ele argumentou que eu estava toda simpática antes e agora não o queria. Eu respondi: 'Ser simpática é uma coisa, colocar a mão em mim é outra'", lembra. 

Leia abaixo a entrevista na íntegra.

Jornalista Mariana Becker em campo
Foto: @oficialmarianabecker

Você lançou um livro recentemente. Me fala sobre esse projeto. Como surgiu a ideia?

Eu sempre viajei muito e escrevi sobre o que eu estava vendo e vivendo. Com a carreira no jornalismo, mais coisas inacreditáveis foram acontecendo e eu sempre escrevia para amigos ou para minha família. Não era para o público geral, mas eu sentia vontade de compartilhar isso com as pessoas, então juntei um terço do material que tenho e condensei num livro.

Com as edições esgotadas, pensa em lançar uma segunda edição do 'Não Inventa, Mariana'?

Não tinha pensado nisso [numa segunda parte do livro]. Como foi minha primeira experiência publicando um livro, eu fico muito tímida na história. Mas como vi que esgotou e que as pessoas estão gostando, quem sabe eu faça um segundo? Material tem e bastante, é uma questão de editar.  

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E de onde vem esse espírito aventureiro, desbravador? 

Da minha família, da criação que meus pais me deram. Desde pequena sempre fui muito metida, me colocava em qualquer meio que achava interessante, não ligava se era de homem ou de mulher. Não era algo que passava na minha cabeça, porque não foi assim que fui criada. Lá em casa éramos quatro mulheres e um homem, e fomos criadas iguais.

Mariana Becker com seu pai
Foto: @oficialmarianabecker

Como essa vivência te ajudou ou atrapalhou no jornalismo esportivo?

Crescer numa casa assim me ajudou e me atrapalhou na carreira. Me ajudou, porque eu nunca vi dentro da minha casa meu pai falando: "Não vai, isso não é coisa de mulher". Eu sempre fui incentivada a fazer o que eu quisesse desde que eu me dedicasse. Nunca tive esse argumento limitante, nem escondido, nem explícito, então, eu fui para onde eu queria. Por outro lado, eu só fui descobrir a força do preconceito depois que eu comecei a trabalhar, me expor mais. Eu me perguntava. "Por que tal pessoa está falando assim comigo? Por que eu não posso fazer tal coisa?", sabe? Acho que isso começou a me afetar quando a minha vida profissional se iniciou, porque quando você não está trabalhando é mais fácil de relevar. Por exemplo, fui surfar e o cara entrou na minha onda, na minha frente. Eu pego outra onda, não tem problema. Não conta muito para meu dia, agora, no profissional pesa mais. Nessa, eu fui ficando surpresa e me atrapalhou, porque eu não sabia como lidar com isso. Não estava preparada para lidar. 

Jornalista Mariana Becker em campo
Foto: @oficialmarianabecker

Hoje tem bastante mulher de destaque no esporte, mas há 15 anos o cenário era diferente. Você passou por situações delicadas?

Passei por diversas situações, desde eu estar fazendo uma entrevista e levar uma cantada ou o cara não me levar a sério, a ter que provar que entendo do que estou falando para meus colegas de profissão. Já senti que fui corrigida de maneira mais exposta e drástica do que um colega que tinha feito o mesmo. Enfim, para uma pessoa que está se formando como jornalista, é algo que faz diferença. Para alguém que está aprendendo, é muito duro levar essas porradas.

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Qual julga ser a pior situação que passou até hoje?

Teve uma vez que eu estava cobrindo o Mundial de Surfe e eu lembro bem de um cara se aproximar de mim fisicamente, de um jeito muito inapropriado, no sentido que envolve mão e abraço. Nessa eu contestei: "Não! Quem é que disse que você pode colocar a mão em mim assim?". A argumentação dele foi igualmente surpreendente. Ele disse: "Ué, você é toda simpática e agora não é mais?". Eu falei que ser simpática é uma coisa, botar a mão em mim é outra. 

Jornalista Mariana Becker em campo
Foto: @oficialmarianabecker

São 15 anos dedicados ao jornalismo esportivo, mas ao todo são quase 30 de profissão. Como avalia isso? Quais são os próximos passos?

Eu nem tinha reparado no tempo, que horror. Ainda faltam três anos, acredito que irei comemorar de alguma forma, ainda não sei como. Mas de uma coisa eu sei: não pretendo parar. Vai chegar um momento que eu vou cansar, mas ainda não aconteceu. O mundo ainda me move bastante, estou aberta a novas coberturas e, quem sabe, novos livros.

*Com edição de Estela Marques. 

Fonte: Redação Terra
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