Afirmar que um folhetim se apoia em clichês é chover no molhado. Assim como todas as produções que se aproximam mais da novela do que da série, "Pedaço de Mim" se apoia bastante em artifícios já conhecidos - certas vezes, com algum exagero -, mas ainda assim, comparada com a produção atual, a obra da Netflix sai vitoriosa com longa distância.
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Isso se deve não apenas à ideia inovadora de Ângela Chaves - uma mulher grávida de gêmeos de pais diferentes -, mas também à maior liberdade conferida pela plataforma de streaming para sua autora. Dificilmente alguns temas seriam abordados com tanta objetividade numa trama da Globo ou da Record, por exemplo, caso do estupro e da retirada de camisinha sem consentimento, apenas para citar alguns exemplos retratados sem eufemismo.
O grande trunfo de "Pedaço de Mim", no entanto, atende pelo nome de Juliana Paes. Não se pode dizer que a atriz não tenha personagens icônicos. Desde sua estreia como Ritinha, em "Laços de Família", a Jackie Joy ("Celebridade"), Bibi Perigosa ("A Força do Querer"), Maria Marruá ("Pantanal") ou Jacutinga ("Renascer"), a atriz sempre entregou com consistência trabalhos sólidos. Mas é neste folhetim de 17 capítulos que a estrela prova que a maturidade a consolidou como uma das grandes de sua geração.
Liana, uma mulher ferida e oprimida pela dúvida e constante machismo ao seu redor, ao mesmo tempo em que é forte, se mostra delicada. Do tom de voz mais baixo e cuidadoso ao modo como se porta, Juliana constrói uma personagem cheia de nuances, da qual o espectador se compadece mesmo diante de momentos de grande fragilidade. Sim, assim como nas novelas, a passividade de personagens em nome da trama chega a irritar um tanto e o texto, normalmente rico, algumas vezes cede ao didatismo - caso de algumas cenas dos episódios 8 e 9.
Nada disso, ainda assim, compromete o resultado final. Além de contar com uma protagonista forte, "Pedaço de Mim" se apoia ainda num elenco vitorioso. Vladimir Brichta e Paloma Duare brilham no que são também alguns dos melhores papéis de suas carreiras. Personagens carismáticos interpretados por João Vitti, Martha Nowill e até mesmo o vilão interpretado por Felipe Abib têm grandes momentos. E os jovens interpretados por Bento Veiga e Agatha Marinho são ótimas revelações.
Em suma, em sua primeira incursão pelo gênero, a Netflix prova para Globo e Record que sempre haverá espaço para aprender e evoluir.