O ano de 2024 foi muito proveitoso para a música brasileira de modo geral. Alguns artistas, no entanto, se destacam. É o caso d'Os Garotin, trio formado pelos cariocas Anchietx, Cupertino e Leo Guima. Somente neste ano o grupo lançou o primeiro álbum — Os Garotin de São Gonçalo (2024), colaborou com Caetano Veloso no single "Nossa Resenha," trouxe para casa o Grammy Latino de Melhor Álbum Pop Contemporâneo em Português e se apresentou no Prêmio Multishow.
Em conversa com a Rolling Stone Brasil alguns dias após a cerimônia de premiação do Grammy, os rapazes diziam que "a ficha não caiu ainda" e que precisavam de um tempo para digerir as emoções daquela noite antes de dizer como estavam se sentindo em relação à vitória.
"Lembro que uma pessoa da equipe me perguntou 'Como você tá?'," disse Cupertino. "A primeira coisa que veio na minha cabeça para responder foi 'Eu preciso ir a São Gonçalo,' não tinha tido tempo ainda de voltar a nossa cidade, à casa dos meus pais."
É compreensível que voltar para casa ajude a colocar a cabeça em ordem. A carreira do trio cresceu de forma meteórica. Se conheceram em 2019, lançaram as primeiras canções em 2023 e cerca de um ano mais tarde estavam concorrendo — e ganhando — a uma das premiações mais importantes da indústria fonográfica.
Para o grupo, esse tipo de conquista é mais uma consequência do que um objetivo. "A gente faz um som que não pensa muito no mercado" Explica Leo. "Por mais que a gente tenha a maldade de fazer as paradas — a gente tem um refrão forte, que pega as pessoas — isso tudo sai do nosso coração."
A gente nem imaginava que ia ganhar esse prêmio, na verdade. Considerando quem estava competindo com a gente, que tinha uma carreira mais longa. Não esperávamos, mesmo, tínhamos mais esperança no prêmio de revelação. - Leo
Cupertino completa que a ideia deles era solidificar a base para que as carreiras solo de cada um crescessem paralelamente à banda, mas tudo "está sendo muito maior do que a gente pensava." Nos shows, o público tem tudo na ponta da língua, sejam as faixas do álbum, singles ou as canções do EP Os Garotin Session (2023), passando pelos trabalhos individuais.
Mas a paixão dos fãs vai além de saber as letras. Anchietx relembra tatuagens, pinturas e roupas como demonstrações de admiração. "Os presentes que a gente tem recebido também, a pessoa se colocando nesse lugar de 'preciso que esses moleques saibam que tem gente aqui com eles nas trincheiras. Torcendo e lutando com eles também'", conta.
Quando a gente tomou um hatezinho no Grammy, ficou uma galera tentando diminuir, perguntando quem nós somos. E eles brigando com unhas e dentes, aí você vê que são fãs mesmo. Não tem preço. - ANCHIETX
"E são gritos histéricos no show," completa Cupertino. "Se a gente consegue se enxergar como ídolo, é muito recente. Mas essa galera realmente se dedica pra coisa." Os Garotin fazem questão de reconhecer o esforço dos fãs, parte fundamental do seu sucesso.
É preciso ousadia para sonhar
Foi com essa frase que o trio agradeceu a premiação. Leo explica que eles sempre tiveram que provar muitas coisas e quando começaram algumas pessoas não acreditavam que o projeto fosse se tornar tão relevante.
"Não por maldade," justifica o cantor. "É porque realmente elas não têm muita referência de pessoas que têm sucesso na vida. A família fica com medo de entrarmos numa carreira tão arriscada como a música. Temos que provar muita coisa."
Se para Leo o prêmio fez com que ele fizesse uma retrospectiva desses momentos, Cupertino revela que a vitória fez com que um peso saísse de suas costas. "A gente está envolvido com esse projeto há muito tempo. Eu conheci o Leo em 2018; em 2019 a gente conhece o Anchietx. Ou seja, nós vivemos a nossa amizade muito tempo antes de lançar, então muita coisa que a gente viveu — muitas dificuldades — quando chega lá, sinto que caiu o peso e estão deixando a gente trabalhar com essa parada."
O status de ganhadores do Grammy não é sinônimo de comodismo para eles. Pelo contrário, após a conquista, o trio se sente motivado e já trabalha em novos projetos enquanto planejam os próximos passos.
Os Garotin concorreram também ao Prêmio Multishow na categoria de Artista Revelação. Antes da premiação, eles se mostraram animados para se apresentar no evento. "Eu tô muito mexido com a coisa da nossa apresentação," disse Cupertino horas antes da cerimônia. "Para mim, cantar lá já é uma vitória," completa Leo, que relembra que o grupo também foi indicado à edição de 2023.
O pai — ou 4º Garotin
Se no palco, o trio brilha absoluto, nos estúdios há um quarto elemento fundamental para o que ouvimos d'Os Garotin. Julio Raposo foi o responsável pela produção do projeto. "Demos a opção dele ser nosso pai, ou o quarto Garotin, mas ele escolheu ser o pai e tá tudo bem," brinca Anchietx.
O músico elogia as referências de Raposo e ressalta que a amizade deles foi essencial para o sucesso da parceria entre os quatro. "Quando ouvimos um som de cinco, seis anos atrás do YOÙN, ficamos 'quem produziu isso? A gente precisa desse cara," relembra Leo.
Os rapazes classificam o produtor como um exímio instrumentista e profundo conhecedor da música, especialmente a soul music, R&B e MPB. "A nossa composição já mistura os três, a nossa amizade, a energia das canções, as partes das músicas. Isso já é uma mistura e tinha que continuar com toda coerência na produção musical; não tinha produtor melhor no Brasil que o Raposo. Ele é o meu produtor predileto," diz Cupertino.
A anti-fórmula para o sucesso
A originalidade no som do trio é definitivamente um dos aspectos mais interessantes. O sucesso que se dá sem as padronizações de uma indústria cada vez mais adepta a fórmulas para virar hit. Se canções pasteurizadas e produzidas em larga escala aparecem — e saturam — aos montes, artistas que nadam contra essa maré se destacam.
"Em tempos de muito planejamento em torno da arte, nasce um álbum com toda a despretensão no momento da sua criação", reflete Cupertino sobre o que, hoje, é um diferencial para a música.
A receita para se fazer pop hoje é não ter receita. E eu tenho sentido cada vez mais isso, sabe? No trabalho da Liniker, da Marina Sena. Eu vejo cada vez mais a despretensão com os padrões do sucesso e isso tá me parecendo um padrão para o sucesso. - Cupertino
O 'empurrãozinho' de peso
Quem vê o sucesso d'Os Garotin hoje em dia pode não imaginar que o trio talvez não existisse se não fosse um "empurrãozinho" da produtora Paula Lavigne e do marido dela, ninguém menos que Caetano Veloso.
Crias de São Gonçalo, os rapazes estiveram intimamente envolvidos com a cultura dos saraus — um ambiente perfeito para apresentar músicas, se conectar com novos artistas e que, diga-se de passagem, o ícone da Tropicália conhece muito bem.
Foi então que Leo, Cupertino e Anchietx foram convidados para um sarau que acontecia na casa de Paula e Caetano.
"A gente foi e levou essa energia do sarau que a gente fazia em São Gonçalo e eles amaram", lembra Cupertino.
Como mencionado anteriormente, o plano inicial era criar bases mais sólidas para alavancar a carreira solo de cada um. Mas Paula reconheceu a conexão nos três e sugeriu que eles se juntassem para um trio.
O incentivo dela contou também com a colaboração de Caetano, que pediu para gravar uma música ao lado dos rapazes. O resultado foi "Nossa Resenha", single lançado em janeiro de 2024.
"Como explicar isso, um dia você tá dormindo na tua casa, no outro o Caetano quer gravar tua música", brinca Anchietx.
Na avaliação dos rapazes, esse gesto, vindo de um dos principais artistas da música brasileira, vale mais que qualquer prêmio:
A energia e a missão em torno da música são maiores do que qualquer premiação. E o Caetano é isso, ele é a música. Ele é a História viva. Então, se relacionar com isso é de uma honra terrível. - Cupertino
Nova vida ao soul
Quem escuta as músicas d'Os Garotin vai se deparar com um encontro do groove e do swing com uma estética nostálgica que remete aos bailes blacks das antigas.
O estilo do trio vem de referências como Gilberto Gil, o já citado Caetano Veloso e também ícones do soul como Tim Maia e Cassiano. Além disso, eles levam na bagagem a black music e o R&B que aprenderam cantando na Igreja.
Cada um com suas particularidades, a mistura deu um resultado completo.
Leo Guima traz para o grupo a ênfase no groove, com um vocal que combina textura e leveza. Anchietx é quem dá as principais pitadas de R&B com tempero brasileiro, mesclando a velocidade e a conversa do rap. Já Cupertino é responsável por complementar a mistura com a musicalidade da MPB em uma junção de ingredientes conduzida com maestria pelo produtor Júlio Raposo.
O resultado é um trio que dá nova vida e horizontes para a soul music brasileira com um objetivo principal: "continuar nessa energia de fazer música boa."
Os próximos passos
Se 2024 foi um ano extraordinário para o grupo, 2025 não deve ficar para trás.
Quando perguntados sobre o que os fãs podem esperar d'Os Garotin no ano que vem, Cupertino, Leo e Anchietx respondem de forma categórica: "Lançamentos."
No próximo ano, o foco ainda vai estar direcionado ao trio. Mas o público não deve se surpreender com um olhar que também dê atenção para as carreiras solo.
"O futuro indica a imprevisibilidade do nosso rolê. Porque não é uma banda, é como se fosse um projeto vivo que pode acontecer qualquer coisa", resume Cupertino. "A graça d'Os Garotin é que a gente é um encontro de três carreiras. Nossas carreiras individuais continuam em paralelo" completa Anchietx.
Com suspense, mas também com a experiência de quem realizou sonhos em 2024, Os Garotin estão ainda mais preparados para os próximos passos.
A gente está sentindo que a base está aumentando e está interessada para além do trio. O foco agora ainda está muito n' Os Garotin, mas no meio desse foco a gente já bota essa água na boca da galera. E aí fica essa dúvida de quando vamos estar sozinhos e quando vamos estar juntos. A gente faz tudo do nosso coração e no momento certo a gente vai brotar com nossos álbuns solos também" - Cupertino
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